Convidamos a diretora do Laboratório de Análises de Dados (Labdata) da FIA, Alessandra Montini, para um desafio: tentar antecipar como empresas brasileiras estarão alinhadas com a tecnologia daqui a cinco anos – e como soluções dos setores financeiro, logístico e de comunicação poderão impactá-las

Tratando-se de tecnologia, é possível imaginarmos como o mundo será daqui a 30 anos. Bem, podemos arriscar que os carros autônomos estarão dominando as pistas, robôs – em suas mais diferentes versões – vão reinar em algumas áreas de trabalho, e o alcance da internet irá mudar totalmente o cotidiano de profissionais e modelos de negócios.

Essas profecias, no entanto, são fáceis se analisarmos tudo que já está acontecendo nos dias de hoje. O difícil é tentar prever como estaremos daqui a um, três, cinco anos, pois as coisas mudam rapidamente. Por isso, é preciso se preparar (e se planejar) para o que estiver por vir. Em tempos atuais, uma coisa é certa: se reinventar é necessário. E isso vale para empresas de todos os tamanhos.

Um recente exemplo é a Apple, que, agora, aposta todas as suas fichas em serviços. A Netflix que se cuide porque a companhia comandada por Tim Cook anunciou que também vai produzir filmes e séries, e disponibilizar produções em seu próprio serviço de streaming e, ainda, investirá em notícias.

E tem mais: o cartão de crédito integrado ao iPhone marcará sua entrada no mercado financeiro. Sem anuidade, os usuários ainda terão de volta parte do valor gasto em compras. Haverá também a versão física do Apple Card, visando transações fora de sua carteira digital.

Apesar de não estar criando nada novo (há outros players bem mais avançados nesses serviços), ela se reinventa ao integrar todas essas soluções ao seu celular inteligente.

Para a diretora do Laboratório de Análises de Dados (Labdata) da FIA, Alessandra Montini, ações que miram nos serviços, sobretudo, que impactam a experiência do cliente estão no centro das inovações atuais. “O consumidor de hoje precisa ser acessado em tempo real, necessita de produtos sob medida e quer ser tratado com diferencial competitivo”, analisa.

Brasil high-tech

A tecnologia também tem servido de motor para companhias brasileiras, que vêm ousando em suas criações. Se o Japão inovou com robôs-dinossauros que recepcionam os hóspedes no Henn-na Hotel (assista ao vídeo), por aqui também temos nosso próprio “robô-concierge”.

Na era dos robôs

Rebeca, a simpática recepcionista do hotel Ramada Encore Berrini, em São Paulo. Foto: divulgação

Trata-se da Rebeca Berrini, uma “simpática recepcionista” do hotel Ramada Encore Berrini, em São Paulo. O robô é o primeiro do tipo a funcionar em um estabelecimento no Brasil. Ao que tudo indica, veremos muitas “Rebecas” por aí. A implementação de novos modelos de tecnologia é uma tendência cada vez maior no mundo, afinal, há ganhos reais de produtividade e redução de custos.

Uma pesquisa sobre robôs, da Deloitte, demonstrou que 95% das empresas tiveram suas expectativas de aumento de produtividade superadas e 94% também excederam os anseios em relação ao custo de implantação. Outros pontos positivos levantados correspondem à melhoria na conformidade dos processos, redução de custo, flexibilidade e escalabilidade, e maior acesso às informações dos processos automatizados.

A Inteligência Artificial (IA) também chegou a uma conhecida marca brasileira de cosméticos. O Boticário anunciou que usará a IA para elaborar novas fragrâncias. O desenvolvimento conta com a ajuda da companhia alemã Symrise Science & Care, que utilizou uma tecnologia da IBM Research para analisar fórmulas e novas combinações.

Entre os ingredientes para os novos aromas dos produtos estão pepino e leite condensado. Se a mistura ficará boa, não sabemos. Mas, em breve, o Boticário irá revelar detalhes da coleção high-tech. Para se ter ideia do tempo ganho nesse projeto, o processo convencional para elaborar uma nova fragrância pode durar até três anos. Em contrapartida, com a IA, apenas seis meses.

Cirurgias pela web

Outra tecnologia que promete fazer a diferença no mundo é a nova geração de redes 5G. Em fevereiro, um cirurgião espanhol realizou a primeira operação guiada remotamente usando a rede, que se destaca pela rapidez e alta definição – itens cruciais para médicos.

Durante o procedimento, a conexão 5G atrasou apenas 0,01 segundo; enquanto atualmente, com a 4G, a latência é de 0,27 segundos.

Professora Alessandra Montini

Alessandra Montini, da FIA: “As companhias vão usufruir de serviços muito mais qualificados em breve”. Foto: divulgação

Há até quem diga que, com essa tecnologia, no futuro, médicos poderão realizar cirurgias remotamente controlando um braço robótico. “A revolução, definitivamente, já começou”, decreta Montini.

Leia a entrevista com Alessandra Montini:

CWS: Por que hoje a tecnologia está no centro de tudo?

Alessandra Montini: Devido a uma grande quantidade de dados não estruturados gerados pela humanidade. Antes tomávamos decisão com dados estruturados (idade, sexo, cidade e valor gasto). Os dados não estruturados (imagem, som, texto e dados de sensores) são difíceis de serem analisados e detectados padrões com eles. Para resolver o problema, precisamos de muita tecnologia para capturá-los, armazená-los e processá-los.

CWS: Como as empresas brasileiras têm aplicado essas tecnologias?

Alessandra Montini: Algumas estão utilizando dados de imagem para tomada de decisão. Exemplo: saber quem entrou na companhia, ofertar produto ao cliente que ingressa em um local, localizar ratos em cozinhas, entre outros. A análise de texto está sendo muito utilizada para monitoramento das redes sociais. As empresas precisam saber o que estão falando da marca na internet. Já a análise de som está sendo feita com a implementação de assistente telefônico robótico para acelerar o atendimento ao cliente. Enquanto isso, a Inteligência Artificial é aplicada até para criar perfumes e cremes personalizados. Os robôs também estão sendo usados para substituição de profissionais que fazem serviços repetitivos, como atendente de hotel, telefonista e consultas simples a contadores e advogados. Já a telemedicina tem beneficiado atendimentos em locais distantes com poucos médicos.

CWS: Qual a importância da sinergia entre tecnologias de dados e IA?

Alessandra Montini: As empresas que usam todo tipo de informação disponível conseguem antecipar as tendências, ofertar produtos sob medida, salvar vidas (aplicações na área médica), detectar incêndio (análise via satélite), além de usar os robôs para ajudar os seres humanos. A Inteligência Artificial, na verdade, é o cérebro do Big Data. O Big Data captura e armazena as informações. A IA gera modelos que processam, analisam e geram a tomada de decisão.

CWS: Como imagina que a tecnologia impactará soluções de logística, comunicação e finanças daqui a cinco anos? E como afetará as empresas?

Alessandra Montini: As companhias vão usufruir de serviços muito mais qualificados. Na logística, toda a cadeia produtiva terá sensores e será totalmente rastreada. Desde a produção no campo, passando pelo transporte de mercadoria até a venda no ponto final.

eremos monitoramento em tempo real de toda a cadeia produtiva. Os robôs farão o carregamento e manuseio das mercadorias. Se estivéssemos na Alemanha, até o caminhão poderia ser autônomo.

Já na comunicação, os robôs poderão fazer algumas campanhas e textos, e selecionar imagens. No mercado financeiro, já temos tecnologia para que as operações sejam digitais, consequentemente, teremos pouquíssimas agências. Os Correios podem funcionar como correspondente bancário em municípios pequenos. A Inteligência Artificial poderá avaliar risco, dar empréstimo, detectar fraude, tirar dúvida e ofertar produtos. A retaguarda do banco pode ficar com problemas graves.

CWS: E como será o comércio eletrônico?

Alessandra Montini: Todo o processo será automatizado. Agora deve-se ter cuidado com a nova lei de proteção de dados pessoais que entra em vigor no início de 2020. O setor de e-commerce precisa ser mais criativo para não ter penalidade com a nova lei. Haverá muitos prestadores de serviço por meio de startups, que poderão ajudar as empresas à nova realidade da tecnologia.

“A Lei Geral de Proteção de Dados, aprovada em agosto passado, vai permitir que os internautas possam acessar e excluir suas próprias informações armazenadas por terceiros.”

CWS: Qual é a maior barreira, atualmente, para as novas tecnologias?

Alessandra Montini: A falta de mão de obra qualificada. Poucos profissionais sabem extrair informações de dados não estruturados. Além disso, muitos diretores ainda estão no mundo analógico e não perceberam que as empresas precisam fazer um grande investimento em tecnologia para garantir vantagem competitiva. Há urgência na adesão de inovação, já que o cliente precisa ser acessado em tempo real, necessita de produtos sob medida e quer ser tratado com diferencial competitivo. Quanto mais informações, melhor será a tomada de decisão e a redução de custos. Em linhas gerais, todos devem usar a tecnologia, porque a revolução já começou.