Não é novidade que a forma de consumo dos brasileiros tem sido impactada pelos canais digitais. Um recente levantamento, no entanto, mostra que até fazer supermercado da maneira tradicional vem perdendo espaço para o comércio online. Líder neste cenário, o GPA analisa o futuro deste segmento e revela como se prepara para continuar na frente da concorrência

A última edição da feira APAS Show, maior evento de supermercados do mundo, que ocorreu na primeira semana de maio em São Paulo, não deixou dúvida: a era digital chegou também no setor supermercadista. Este ano, o tema se voltou às tecnologias que já figuram – e vão figurar – entre as “prateleiras de inovação” dos supermercados mundo afora.

Para se ter ideia como o assunto gera interesse, durante os quatro dias de evento passaram mais de 100 mil pessoas, configurando crescimento de 23,8% em relação a 2018. Entre as novidades que ganharam os holofotes, destacam-se esteiras que fazem automaticamente a leitura dos códigos de barras dos produtos, realidade virtual, self check-out (autopagamento) e as lojas autônomas, ao estilo Amazon Go. Esta última, exemplificada pela Zaitt, aberta em Vitória, no Espírito Santo. Ela é a primeira de conveniência totalmente autônoma no Brasil.

Há poucos meses, se instalou também em São Paulo. Sua chegada causou curiosidade e, logo, se espalhou em vídeos e fotos nas redes sociais. Afinal, os paulistanos queriam entender, na prática, como era possível comprar produtos sem ter de passar por um caixa. “O consumidor atual busca por conveniência e experiência”, analisa Fabrício Cardoso, da consultoria EY. “Por isso, iniciativas inovadoras chamam tanto a atenção”.

Compras de alimentos online

Já para quem não gosta de fazer supermercado na forma tradicional, ou seja, despender tempo e preciosos minutos na fila de uma caixa, encontrou em aplicativos como o Rappi a solução dos problemas. Em poucos cliques, de onde estiver, é possível fazer as compras e recebê-las no conforto do lar – com a vantagem de o sistema estar integrado com o cartão de crédito.

Para quem duvidou que a nova modalidade de compras faria sucesso no País, um recente levantamento descarta as incertezas. Segundo um estudo da Associação Paulista de Supermercados (Apas) e do Ibope Inteligência, 15% dos brasileiros já fazem suas compras de supermercado através de canais digitais.

Este é, sem dúvida, um mercado com muito potencial de crescimento. Por aqui, o varejo online de alimentos representa menos de 1% das vendas totais de comida, mas em países como a China e a Inglaterra, por exemplo, a representatividade é gigante: 30% e 12%, respectivamente.

A abrangência, cada vez maior, tem servido de impulso para a mudança de foco de redes supermercadistas, que, agora, olham com mais atenção para o consumidor omnichannel – aquele que transita entre os ambientes físicos e o mundo digital.

Prova disso, é a batalha entre os dois maiores grupos deste segmento no País, o Carrefour e o GPA, que detém as bandeiras Pão de Açúcar e Extra, para ver quem conquista a maior fatia do mercado online – e a fidelidade das gerações que priorizam uma experiência de compra inovadora.

O grupo francês Carrefour, que faturou R$ 56,3 bilhões em 2018, anunciou a criação de um novo setor de negócios visando a transformação digital, que focará na venda online de alimentos. Batizada de Carrefour eBusiness Brasil, a área chega para ofuscar a companhia brasileira GPA, que, apesar de ser a segunda maior do setor, com faturamento de R$ 53,6 bilhões em 2018, é líder no ambiente virtual.

A atuação do GPA no comércio eletrônico começou muito antes do Carrefour, que, entre idas e vindas online, só fincou nesse cenário em 2016. O Pão de Açúcar, por sua vez, estreou no varejo virtual em 1995, e, há alguns anos, investe em tecnologias e em iniciativas relevantes, como seu aplicativo, que oferece sistema de ofertas personalizado e programa de recompensas. O app já soma três milhões de downloads.

Atender o consumidor omnichannel, colocando-o no centro de suas ações, vem encabeçando a lista de prioridades do Pão de Açúcar. Em algumas unidades, por exemplo, há uma espécie de laboratório para testar produtos e serviços – o público consultado não poderia ser outro senão as gerações Millennials e Z.

“As marcas, enfim, entenderam que é preciso atender esse novo consumidor e necessitam estar presentes em todas as jornadas”, analisa Fabrício Cardoso.

As novas gerações priorizam a comodidade e querem ter autonomia na forma como consomem. No atual ecossistema de compras do GPA, as opções exemplificam o comando: o cliente pode optar pela forma tradicional, pedir online e receber as compras em casa na hora que quiser, ou fazer o pedido digitalmente e retirar na loja.

Nova forma de consumo

Scan & Go: o cliente escaneia o código de barras dos produtos e realiza o pagamento via aplicativo. Foto: divulgação

Há um outro modelo em fase de teste. Trata-se do Shop & Go. “O cliente realiza suas compras na loja física e deixa o carrinho para ser entregue posteriormente, no endereço escolhido”, avisa Antonio Salvador, diretor de transformação digital do GPA, em entrevista à CWS.

Confira os principais trechos da entrevista com o executivo do GPA:

CWS: Em dezembro passado, o GPA comprou a startup de entregas James Delivery. O que motivou a aquisição?

Antonio Salvador: A aquisição do James Delivery fez parte da estratégia omnichannel do GPA, uma vez que hoje o consumidor busca as melhores experiências de compra em todas as frentes. Isso permitiu à companhia entrar num novo nicho, os superapps – plataformas que possibilitam aos usuários receberem em uma hora produtos diversos de parceiros selecionados em verticais de consumo, como supermercados, farmácias, restaurantes e outros. Esta nova oferta complementa as modalidades de entrega do grupo. A decisão da aquisição da James também está baseada no desejo de desenvolvermos esta nova modalidade de negócio, em linha com a evolução do mercado brasileiro e mundial, e com o objetivo de oferecer uma melhor experiência de compra aos nossos clientes, em uma visão de longo prazo.

CWS: Hoje, seis meses depois, o que mudou na operação?

Antonio Salvador: Com essa compra, investimos em um serviço exclusivo e personalizado para nossos clientes, já que o James Delivery tornou a plataforma de entregas oficial das redes Extra e Pão de Açúcar. Inicialmente, a plataforma atuava apenas em Curitiba, no Paraná, onde foi criado, mas, hoje, iniciou a expansão para São Paulo. A previsão é que até dezembro deste ano possamos atender toda a cidade, além de mais dez cidades brasileiras. Existe um robusto plano de expansão para ampliar o raio de atendimento do serviço para que os consumidores do Extra e do Pão de Açúcar tenham mais essa opção para adquirir os produtos que mais gostam de forma ainda mais prática e rápida.

Nova era

Antonio Salvador, do GPA: “Manteremos nossas estratégias de crescimento e inovação pautadas na transformação digital”. Foto: divulgação

CWS: As compras de alimentos online já atingem 15% dos brasileiros. O GPA acredita que essa modalidade ultrapassará as vendas em pontos físicos?

Antonio Salvador: A convergência entre o digital e o físico é um cenário que já é realidade hoje e tende a crescer nos próximos anos e já identificamos uma participação significativa do mobile nas compras de supermercados. A relação hoje do cliente é mais com a marca do que com o canal – ele deseja fazer suas compras pelo Extra ou Pão de Açúcar e, para isso, utiliza-se da loja física, app ou e-commerce, dependendo do seu momento de compra. Por essa razão, tais canais continuam coexistindo e o GPA continuará oferecendo todas as opções enquanto houver demanda. O cliente tem o poder de escolher o formato que prefere e aquele que é mais conveniente para os diversos momentos de compra.

CWS: Então, diferentemente do que temos acompanhado com o varejo de vestuário, os supermercados não tendem a encolher e virar pontos de retirada…

Antonio Salvador: No caso do supermercado, em que a relação é com o alimento, a sensibilidade é maior. Apesar das inovações tecnológicas e das constantes mudanças na forma de consumir, a relação continua sendo humana e o processo de convergência entre o digital e o físico se torna cada vez mais palpável. Precisamos estar preparados para atender aos diferentes perfis e momentos de compras e a loja física acaba tendo sua importância neste processo – seja para servir como showroom ou como ponto de venda aos clientes que ainda precisam enxergar e ter um contato físico com um produto, por exemplo.

CWS: O GPA tem investido também em startups. Como tem sido a parceria?

Antonio Salvador: Temos investido bastante em startups, como a Cheftime, que é a primeira foodtech a fechar parceria com o GPA. Eles comercializavam kits gastronômicos exclusivamente via e-commerce e, desde novembro de 2018, disponibilizam os produtos também nas lojas físicas do Pão de Açúcar, inclusive com receitas exclusivas para a rede. Recentemente, o GPA formalizou parceria com outras foodtechs, oferecendo condições especiais para que elas comercializem seus produtos nas redes varejistas. Hoje, mais de 200 produtos dessas empresas podem ser encontrados nas gondolas do Pão de Açúcar e do Extra.

CWS: Como o GPA tem lidado com as alternativas de pagamento?

Antonio Salvador: O GPA criou e vem aprimorando algumas inciativas. Um exemplo é o Scan & Go, que está em fase de teste em uma loja Minuto Pão de Açúcar e possibilita que o cliente escaneie o código de barras dos produtos e realize o pagamento via aplicativo do Pão de Açúcar Mais. Há também o Self Check-out, modalidade de caixas em que o próprio consumidor passa suas compras e paga, sem interferência de um funcionário, que já está em operação em algumas lojas das bandeiras Compre Bem e Pão de Açúcar. Está ainda em teste piloto o Shop & Go, em que o cliente realiza suas compras na loja física e deixa o carrinho para ser entregue posteriormente no endereço escolhido (o pagamento é feito no recebimento).

CWS: A transformação digital continuará sendo o principal caminho para ganhar mercado?

Antonio Salvador: Sim, o GPA mantém suas estratégias de crescimento e inovação pautadas na transformação digital, sempre pensando nessa atuação multicanal. Por isso, continuará investindo em formatos e em iniciativas que facilitem e aprimorem a experiência de compra do consumidor.

(Matéria publicada em junho de 2019).