O empreendedor, fundador do Buscapé e um dos investidores da CWS, comenta sobre as novas tecnologias e como elas podem ajudar o setor de autopeças no País

No final da década de 1990, quando a internet crescia de forma estrondosa no Brasil, o então estudante de engenharia elétrica Romero Rodrigues não teve dúvida de que a era digital estava chegando para transformar a vida das pessoas. Esse mesmo desígnio o encorajou a criar, ao lado de três amigos da Universidade de São Paulo (USP), o site de comparação de preços Buscapé. “Nós queríamos colocar no ar algo que, assim como a internet, fosse impactante”, relembra Rodrigues.

O negócio não só conseguiu sobreviver ao estouro da bolha da internet nos anos 2000, como se tornou um dos principais cases de sucesso da área de tecnologia do País. O negócio bem sucedido chamou a atenção de investidores globais e, em 2009, uma fatia de 91% da companhia foi comprada por US$ 342 milhões pela empresa sul-africana Naspers. Em 2015, Romero se desligou totalmente do Buscapé, deixando a cadeira de CEO para o diretor financeiro Sandoval Martins.

Sua saída, no entanto, não representou uma pausa nos negócios. Pelo contrário. Logo após deixar o comando do Buscapé, Rodrigues se uniu ao fundo brasileiro Redpoint eventures, com foco em startups. Entre as empresas que fazem parte da lista estão a Gympass e a ViajaNet. “Hoje, temos mais de 20 investimentos”, diz Romero.

No Brasil, as empresas iniciantes seguem em ascensão. Segundo a Associação Brasileira de Startups (ABStartups), em 2016, as companhias da área de tecnologia cresceram 30%, fechando o ano em mais de 4,2 mil empresas ativas.

Antes da sociedade com a Redpoint eventures, Rodrigues já acumulava ações em 24 empresas. O setor de autopeças foi uma das escolhas do visionário da tecnologia. “Eu analiso três pontos antes de investir em uma startup. Primeiro, as pessoas que estão por trás do negócio; segundo, o mercado; terceiro, a solução. Os três pontos, nesse caso, se encaixaram. O mercado tem um potencial enorme e a solução oferecida pela CWS, através do Canal da Peça, é eficiente”, afirma.

Leia a entrevista com Romero Rodrigues:

CWS: Como sua experiência no mercado digital o ajuda a identificar tendências que impactam pessoas e empresas?

Romero Rodrigues: Quando penso em investimentos e tendências costumo analisar os atritos e as dores que existem hoje. Quando olhamos para o mercado brasileiro nem sempre conseguimos fazer uma comparação direta com outros mercados mundiais. Isso porque as ineficiências no Brasil são, muitas vezes, mais altas do que em mercados já estabelecidos. Então, esse déficit de eficiência que existe no Brasil tem que ser suprido de alguma forma e a tecnologia vem para ocupar essa lacuna. O resultado são as startups que chegam para solucionar problemas.

CWS: No Brasil, o setor de autopeças também é ineficiente?

Romero Rodrigues: Quando olhamos para o dia a dia do segmento de autopeças vemos uma ineficiência gigantesca. Isso começa no momento em que uma oficina ou uma pessoa física decide comprar uma peça. Existe uma dificuldade muito grande em conseguir encontrar a peça certa para o automóvel. O público feminino, sem querer ser sexista, na maioria das vezes acha que está sendo enganado porque não existe muita transparência nesse mercado. Não existe porque há pouca eficiência. Na realidade, a pessoa não sabe exatamente qual peça vai funcionar no carro nem como se abastecer desse item. Nesse contexto, acho que o Canal da Peça se diferencia no mercado porque consegue resolver o problema de quem está buscando uma determinada peça e, também, de quem não sabe exatamente o item que precisa.

CWS: As oficinas também sofrem com a falta de informação?

Romero Rodrigues: Sim. Muitas vezes elas têm dificuldade de obter informações. Analisando o setor de uma forma geral, existe uma oportunidade enorme para trazer mais eficiência para essa cadeia. A tendência, na verdade, não é criar necessidades novas. Mas, sim, resolver grandes dores que existem nas cidades atualmente. É preciso preencher essa lacuna gigantesca. Hoje, não é preciso criar mercado. O de autopeças, por exemplo, é enorme. (De acordo com o Sindipeças, a estimativa é que o setor de autopeças no Brasil fature, em 2019, R$ 107,1 bilhões, representando crescimento de 8,4% em relação ao ano anterior).

“Analisando o setor de uma forma geral, existe uma oportunidade enorme para trazer mais eficiência para essa cadeia”.

CWS: Como investidor, como você enxerga as soluções de tecnologia que visam os pequenos negócios?

Romero Rodrigues: Minha experiência no Buscapé foi muito voltada para os pequenos estabelecimentos. Tínhamos também todos os grandes, como em shoppings centers, mas o fato pelo qual o Buscapé foi tão bem sucedido, foi essa simbiose com o pequeno varejo. O Buscapé sobreviveu porque existia esse long tail (cauda longa, em português) de pequeno varejo. Se existissem apenas três ou quatro varejistas, por exemplo, não seria necessário uma ferramenta para comparar preços. Mas, ao mesmo tempo que ganhamos valor através desse público, o Buscapé só se consolidou porque pensávamos o tempo todo em como poderíamos deixar o pequeno tão competitivo quanto o grande. Os pequenos precisam de muitas ferramentas e parceiros para conseguirem ser eficientes e se destacarem. Ferramentas como o Canal da Peça são excelentes oportunidades para os pequenos e médios varejistas, pois fazem com que eles se tornem competitivos.

CWS: Em relação ao setor de autopeças, você acredita que as novas tecnologias têm o poder de mudar a relação dessas empresas com seus clientes?

Romero Rodrigues: Eu acho que o setor de autopeças é muito específico, logo, precisa de uma solução própria. Eu, como consumidor, não acordo com vontade de comprar uma peça. Eu tenho necessidade de comprar uma peça para o meu carro. As oficinas, muitas vezes, entram como tomadoras de decisão. Nesse contexto, existe a cadeia natural, envolvendo varejo, fabricante e distribuidor. O setor precisa de uma solução específica. Mas não existe, pois os catálogos são muito complicados, as peças são muito complexas. Toda essa situação cria de um lado oportunidades, do outro, a necessidade de utilizar uma ferramenta específica. Toda a cadeia precisa de uma solução direcionada. Eu aposto que essa ferramenta é o Canal da Peça. Uma plataforma generalista, por exemplo, jamais conseguirá suprir as necessidades do setor.

CWS: O Buscapé também construía catálogos. Já montaram de autopeças?

Romero Rodrigues: Os catálogos mudam muito de categoria para categoria. Mas poucos têm uma complexidade tão grande como o de autopeças e, por isso, nunca construímos. O catálogo de automóveis, que tentamos construir, mas nunca conseguimos, foi um dos mais difíceis. Tivemos que contratar uma empresa de fora para terminar o trabalho. E para fazer o catálogo de autopeças percebemos que precisaríamos do de automóveis muito bem feito para que desse certo. É muito mais complicado criar o de automóvel, por exemplo, do que de mídia e eletrônicos. Existe uma série de itens, como fabricante, modelo e opcionais, que torna o trabalho muito mais complicado. É uma complexidade que a gente decidiu nunca entrar.

CWS: Em sua opinião, quanto tempo vai demorar para o setor se tornar 100% digital?

Romero Rodrigues: Transacionar tudo online, talvez nunca. E não precisa. O mais importante é a tomada de decisão ser digital. Dessa forma, transformará a cadeia. Hoje, cerca de 2/3 das consultas de produtos são feitas pelo celular. Mas muitas pesquisas ainda são convertidas em vendas no shopping. No entanto, a transação online vai acontecer em algum momento. Ferramentas como o Canal da Peça começam a ajudar a cadeia como um todo. Uma das grandes dores deste mercado é o catálogo, que já está sendo solucionado pela plataforma. Isso tem significado mais eficiência para a cadeia. Eu como oficina ou como consumidor, posso usar o Canal da Peça de diferentes maneiras. A digitalização está acontecendo mais rápido do que as pessoas imaginam. A praticidade é algo impressionante. O mecânico pode estar arrumando o carro e, na mesma hora, já ir pesquisando determinada peça pelo celular. Muito diferente do que era antigamente. Aquele catálogo antes cheio de graxa poderá ser consultado na própria oficina pelo celular. Acredito que em no máximo três anos, o mercado estará totalmente digital.

“A digitalização está acontecendo mais rápido do que as pessoas imaginam. Aquele catálogo antes cheio de graxa poderá ser consultado na própria oficina pelo celular. Acredito que em no máximo três anos, o mercado estará totalmente digital”.

CWS: Então quem está offline está perdendo negócios?

Romero Rodrigues: Eu acho que quem está offline está ineficiente. Está perdendo mais tempo. Se quiser continuar offline vai estar, fatalmente, fora do mercado porque o digital é um canal importantíssimo. As pessoas pensam muito no online para trazer mais negócios e, de fato, é isso também. Mas o que as pessoas menosprezam é o poder do digital de trazer eficiência, que é o tema mais importante da discussão no setor.

“Eu acho que quem está offline está ineficiente. Está perdendo mais tempo. Se quiser continuar offline vai estar, fatalmente, fora do mercado porque o digital é um canal importantíssimo”.

CWS: Ao longo da última década, você acompanhou muitos setores de consumo no Brasil avançarem utilizando soluções de venda online. O setor de autopeças, especificamente, está se rendendo aos poucos ao ambiente virtual. O que você diria para os tomadores de decisão deste setor, que muitas vezes são mais tradicionais?

Romero Rodrigues: Um dos meus sócios do Buscapé, bem no começo, costumava dizer que todo mundo que apostou contra a tecnologia perdeu. Eu acho que você tem que usar essa força a seu favor. Eu tentaria o quanto antes digitalizar o meu negócio. Está cada vez mais fácil testar. Em 1999, para construir uma loja online era necessário investir US$ 1 milhão. Hoje, uma loja muito melhor do que aquela custa US$ 50. Essa queda no preço para ter acesso à tecnologia torna quase mandatório se digitalizar. Em alguns anos, as empresas não terão mais nem telefone, como já acontece em algumas residências, mas nem por isso estarão desconectadas. Pelo contrário. Estarão cada vez mais online.

“Todo mundo que apostou contra a tecnologia perdeu. Eu acho que você tem que usar essa força a seu favor. Eu tentaria o quanto antes digitalizar o meu negócio. Está cada vez mais fácil testar”.

CWS: Qual é o melhor caminho para o varejista de autopeças que quer se digitalizar?

Romero Rodrigues: Uma plataforma generalista, certamente, não é uma boa opção. A pessoa que resolve o problema de uma livraria não vai conseguir fazer um bom trabalho com um varejista de peças. Além disso, vai perder competitividade no mercado. Imagina um varejista de autopeças que está usando uma plataforma generalista concorrer com um que está em uma segmentada? Esse que está em uma específica para a área não precisa se preocupar com nada, não tem de montar catálogo. Ele estará unido com todos da cadeia.

“É muito raro uma plataforma que adiciona valor para todos. Essas são as que costumam dar certo. O Canal da Peça não tira valor de um lado para dar para outro”.

CWS: O mercado digital de autopeças nos Estados Unidos e na Europa já é uma realidade. Alguns levantamentos apontaram que a representatividade das vendas pela internet, em alguns países europeus, chega a 11%. Você acha que o Brasil tem o mesmo potencial?

Romero Rodrigues: Eu acho que esse é um daqueles casos onde deveria ser maior no Brasil por conta das ineficiências do setor. Se pararmos para pensar, aplicativos de transporte, como o Uber, são mais fortes em cidades como São Paulo do que em qualquer outra da Europa. Isso porque nós não temos infraestrutura. Em cidades europeias, as pessoas usam transporte público porque tem. Como a gente carece de infraestrutura, temos que resolver com tecnologia. No setor de autopeças é a mesma coisa. Temos poucas informações sobre peças, compatibilidade e tudo que envolve o mercado. Eu vejo com muita clareza que estamos indo para um caminho que causa menor dor, trazendo mais eficiência. Eu posso estar onde estiver que consigo resolver a necessidade de buscar uma peça através do celular. Acredito que as lojas físicas vão perder um pouco de importância no futuro. Não quer dizer que não vai mais existir o varejo. Acredito que vai se transformar em mais um ponto de distribuição e estoque para abastecer as oficinas do que uma loja convencional. Isso vai acontecer naturalmente à medida que o trafego de pessoas diminuir.

CWS: Você acredita que a ineficiência do setor de autopeças, que começou a ser preenchida por plataformas digitais, vai atrair novos empreendedores?

Romero Rodrigues: Espero que sim. Quanto mais peixe no aquário, mais oxigênio e mais vida. O Canal da Peça não só tem a oportunidade como a responsabilidade de ser esse evangelizador do mercado de autopeças no ambiente online. É uma bela responsabilidade.