Com mais soluções digitais no agronegócio, produtores rurais, cooperativas e até governos estaduais têm se unido para disseminar a tecnologia no País. Carlos Henrique Paes de Barros, assessor do Gabinete da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, opina sobre o futuro do setor

O agronegócio vive uma fase de ascensão no Brasil. Empresas de tecnologia não têm poupado esforços – e investimentos – na criação de soluções para aumentar a produtividade no campo. Aplicativos, sensores e plataformas digitais já se tornaram ferramentas comuns de quem vive do agronegócio.

No entanto, a falta de infraestrutura faz com que muitas delas fiquem inutilizadas pela pouca conectividade em regiões rurais. Esse tema tem sido cada vez mais discutido em eventos e feiras no País, como a Digital Agro, que ocorreu entre os dias 12 e 14 de junho, no Parque Histórico de Carambeí, no Paraná.

“Eventos como esse chegam não apenas para levar a tecnologia aos pequenos e médios produtores, mas também servem de palco para discutir ações que viabilizem novas soluções”, aprova Carlos Henrique Paes de Barros, assessor do Gabinete da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo.

Com base nessa ideia, Barros orquestrou, ao lado do ex-secretário de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, Arnaldo Jardim, a feira Agrifutura, que reuniu, em março, cerca de 2,5 mil pessoas no Instituto Biológico, em São Paulo.

“A Campus Party, que é voltada para tecnologia em vários setores, faz um tremendo sucesso. Então por que não fazer uma específica para o agronegócio? O projeto, agora, é diluir o evento em treinamentos e palestras durante o ano”, diz Barros.

Para o assessor, ações que partem do governo e de cooperativas, como a Digital Agro, organizada pela Frísia Cooperativa Agroindustrial, ajudam a disseminar a tecnologia no campo. “O maior desafio é levar a tecnologia aos menores, que estão em regiões mais distantes. Todos nós temos o dever de estimular o movimento”, afirma.

Todas essas ações têm como mote a produtividade. O ano passado foi marcado pela safra recorde de 238,8 milhões de toneladas de grãos. As exportações tiveram crescimento de 13% em comparação ao ano anterior, para US$ 96,01 bilhões. Ao lado das condições climáticas, que contribuíram para esse avanço, as novas tecnologias se posicionam como uma espécie de apoio extra no campo, podendo até definir o rumo de uma safra.

“O Brasil vive uma grande onda de startups voltadas à tecnologia. E elas têm, de fato, ajudado os pequenos e médios produtores; têm oferecido mais produtividade. É impressionante o que vemos e vamos ver nos próximos cinco anos”, complementa Barros.

Mais negócios com a internet

Além de soluções que têm elevado o lucro dos produtores, tecnologias de comunicação têm sido fundamentais para fomentar negócios. O aplicativo de mensagens instantâneas WhatsApp, que facilita grupos de discussões, e as redes sociais, já fazem diferença nas áreas rurais.

“A troca de informações de muitos agricultores já ocorre através de grupos no Facebook e WhatsApp. Cria-se uma comunidade e um canal de informações atualizadas. O compartilhamento de conhecimento é muito positivo. Isso acelera o crescimento do setor”, analisa Barros.

O avanço da tecnologia no campo

Carlos Henrique Paes de Barros. Foto: Adriano Stofaleti.

Um relatório do Banco Mundial, que reuniu estudos sobre comunicação e seu impacto na economia agrícola, estima que produtores que usam tecnologias de comunicação chegam a faturar 35% mais. A explicação está no acesso a melhores preços, facilidade nas negociações com revendedores e clientes e, também, nas mudanças na forma de consumo.

“Não tenho dúvida de que não vai demorar muito para a questão da internet se estabelecer, definitivamente, no campo. Muitas startups estão surgindo com propostas inovadoras e acessíveis. Quando, de fato, estabilizar, a conectividade vai transformar o setor de agronegócio”, afirma.

Leia, a seguir, a entrevista com Carlos Henrique Paes de Barros:

CWS: Qual a importância das feiras e eventos que ajudam a promover a tecnologia no campo?

Carlos Henrique Paes de Barros: As grandes empresas e os grandes produtores de soja, por exemplo, já têm acesso à tecnologia. O maior desafio é levá-la aos menores, que estão em regiões mais distantes. Nós e as cooperativas temos o dever de estimular essas ações. A Digital Agro é um bom exemplo, pois ela conseguirá levar para perto dos produtores essas soluções. O Brasil vive uma grande onda de startups voltadas à tecnologia. E elas têm, de fato, ajudado os pequenos e médios produtores; têm oferecido mais produtividade. É impressionante o que vemos e vamos ver nos próximos cinco anos. Estava falando hoje mesmo sobre isso: existe empresa que tem projeto para instalar pequenos satélites no campo. O custo de um satélite convencional é gigantesco, milhões de reais, ao passo que colocar esses pequenos iria reduzir muito esse valor. Isso iria acelerar a conectividade e transformar o setor.

CWS: O problema de conectividade está próximo de ser solucionado?

Carlos Henrique Paes de Barros: Sim, por conta das startups que levam soluções mais efetivas para o campo. A chamada “internet das coisas” vai avançar rapidamente nas áreas rurais. A maioria dos equipamentos já tem tecnologia embarcada e requer conectividade. Vi, há pouco, uma proposta de colocar pequenas estações meteorológicas nas propriedades. Uma coisa muito importante no agronegócio é ter previsibilidade e diminuir os riscos das intempéries. Quanto mais informações sobre a pluviometria, mais incertezas o produtor poderá evitar e mais seguro vai ficar. A ideia é colocar cerca de 100 mil pequenas estações meteorológicas nas propriedades. No entanto, por conta da falta de infraestrutura, elas serão programadas para não ficarem conectadas à internet o tempo todo. Os dados poderão ser coletados quando o usuário colocar um smartphone perto. Essas máquinas guardam e, ao se conectarem à rede, transmitem essas informações.

CWS: Como foi organizar uma feira de tecnologia?

Carlos Henrique Paes de Barros: A ideia partiu do ex-secretário, Arnaldo Jardim. A Campus Party, que é voltada para tecnologia em vários setores, faz um tremendo sucesso. Então por que não fazer uma específica para o agronegócio? Fomos pesquisando até surgir o esboço da nossa ideia. Chegamos em um modelo inovador.

CWS: Por que inovador?

Carlos Henrique Paes de Barros: Porque não foi um evento comercial. Mistura uma série de formatos. É uma vitrine para startups, palco de debates, apresentações em um ambiente de confraternização e de compartilhamento de ideias. Recebemos mais de 800 produtores rurais que querem acompanhar as tendências. Hoje, se o agricultor não tiver ferramentas tecnológicas, seu negócio não sobreviverá. Ele não vai alcançar produtividade, não vai reduzir custos, terá uma série de problemas que poderiam ser evitados com a tecnologia, com soluções acessíveis. Por isso, chamou a atenção de mais de 2,5 mil pessoas, entre estudantes, produtores rurais, fazendeiros e desenvolvedores de softwares. Público que normalmente não se encontra. Fizemos essa ponte. O projeto, agora, é diluir o evento em treinamentos e palestras durante o ano.

A feira Agrifutura, que ocorreu em São Paulo. Foto: divulgação.

CWS: O Brasil tem apresentado cada vez mais soluções inovadoras. Estamos em que nível nesse movimento tecnológico?

Carlos Henrique Paes de Barros: Diria que estamos em um nível intermediário, mas com um potencial enorme de crescermos e até de nos tornarmos líderes. Acredito que estamos no caminho para nos posicionarmos entre os três principais países do mundo em tecnologia.

CWS: Com a tecnologia, o processo de compra do produtor rural já está mais moderno?

Carlos Henrique Paes de Barros: O acesso à informação é primordial. Ele podendo ter acesso à internet, por exemplo, as compras de máquinas, equipamentos e insumos podem ser feitas pela rede. Tendo essa qualidade maior de informação, ele poderá conseguir melhores negociações. Enfim, a comunicação melhora e, para o produtor, ela é tudo.

CWS: Então o produtor rural tem comprado mais peças pela internet?

Carlos Henrique Paes de Barros: Sim, e é uma tendência irreversível. Nos Estados Unidos, mais de 50% das vendas do varejo são feitas pela internet, em todos os setores. No Brasil, vamos chegar a esse número também. Consequentemente, no agro, o comprador de peças e equipamentos também vai comprar mais de 50%. Não acho que demora mais do que cinco anos para isso acontecer.

CWS: As concessionárias estão mais digitais?

Carlos Henrique Paes de Barros: Ainda acredito que existe um caminho longo a ser percorrido. O homem do campo tem um certo conservadorismo no seu dia a dia, então a gente não acredita que ele tenha gosto pela informática e pela digitalização. O que não é verdade porque hoje todos têm um celular. Essa mudança é muito natural e, é claro, que essas empresas vão se tornar mais digitais.

CWS: Quais plataformas os produtores têm mais utilizado?

Carlos Henrique Paes de Barros: Há uma proliferação de marketplaces: tanto de insumos, como de defensivos, fertilizantes, peças e equipamentos. A comercialização online só tende a crescer no País, em todos os níveis do agronegócio. Quando consideramos startups, falamos que 50% delas são ligadas ao agronegócio. Isso porque consideramos desde a biotecnologia até o alimento pronto, como um Ifood, por exemplo. Todas elas fazem parte da cadeia do agro. Então, não é exagero dizer que, com a tecnologia, o setor irá crescer na internet.

CWS: Como o sr. enxerga o uso de ferramentas como o Facebook, YouTube e o WhatsApp?

Carlos Henrique Paes de Barros: O comércio, inclusive, dentro dessas plataformas existe. Mais embrionário, mas já ocorre. De uma forma geral, o Facebook está se tornando umas das principais mídias do mercado. Para ter ideia da força, algumas partidas de futebol serão transmitidas exclusivamente por lá. Deixa de ser somente uma rede social para ser uma mídia mesmo, onde as pessoas vão começar a assistir mais vídeos e eles vão gerar mais espaços publicitários e oportunidades de negócio. A troca de informações de muitos agricultores já ocorre através de grupos no Facebook e WhatsApp. Cria-se uma comunidade e um canal de informações atualizadas. O compartilhamento de conhecimento é muito positivo. Isso acelera o crescimento do setor. O produtor também acessa mais o YouTube, assiste aos vídeos técnicos, mais explicativos. É uma ferramenta de ensino atualmente.

CWS: Essas ferramentas têm aberto espaço para cursos online?

Carlos Henrique Paes de Barros: Sim, até pela distância do campo até uma escola. É muito mais fácil ele usar recursos, como YouTube e cursos online, do que se deslocar. A tendência também é de crescimento. Hoje, não existe um grande portal, onde ele tem informações sobre tudo no agro. Tudo é bem pulverizado. Então, o produtor digita exatamente o que ele quer e vai aparecer na internet sobre essa questão.

CWS: Como será, no futuro, o setor no ambiente digital?

Carlos Henrique Paes de Barros: A manutenção de peças e de equipamentos será feita de forma mais rápida, com mais eficiência. O agricultor vai utilizar mais o canal digital. As máquinas vão estar diretamente ligadas com os fornecedores e com os revendedores. A reposição disso vai ser mais rápida, o controle de estoque vai ser muito mais eficiente. Já em soluções, o céu é o limite. Vários equipamentos vão surgir a fim de identificar problemas na produção, otimizando o tempo do produtor, como já existem hoje. Você precisa de tecnologia para se diferenciar no mercado e no processamento de produtos. O produtor já tem acesso aos smartphones. E esses celulares vão ser cada vez mais usados como ferramentas de trabalho. O agricultor brasileiro está preparado para essas mudanças.