Em entrevista à CWS, o diretor executivo da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), Luiz Cornacchioni, explica porque a tecnologia tem sido tema recorrente e como ela pode influenciar a produtividade no campo

Quando falamos em tecnologia, sobretudo no campo, logo vem à mente imagens de máquinas agrícolas supermodernas, com acesso à internet e armazenamento de informações, drones, satélites, estações meteorológicas, entre outros aparatos que mais parecem que saíram de filmes futuristas. Todos eles já existem e têm revolucionado a produtividade no setor agrícola.

Mas uma ferramenta bem menor e acessível a todos também tem mostrado sua força no campo: o smartphone. Hoje, os celulares com acesso à internet têm facilitado a comunicação entre o produtor rural e as concessionárias, reduzindo o tempo de um equipamento parado por falta de manutenção.

Várias ideias inovadoras atualmente são aplicadas no campo. E esse é só o começo. “As diferentes possibilidades de soluções digitais têm impulsionado empresas de tecnologia mundo afora. É um momento único no agronegócio”, diz Luiz Cornacchioni, diretor executivo da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag).

As chamadas agtechs, termo que se refere às empresas de tecnologia aplicada ao agronegócio, têm revolucionado a produtividade no campo, com soluções que ajudam no combate à pragas, monitoramento de plantações, gerenciamento de fazendas, entre outros.

Com aplicativos e equipamentos cada vez mais conectados, e com tecnologia embarcada, a “internet das coisas” – IoT, na sigla em inglês, ainda promete surpreender muito mais. Até 2022, muitas soluções vão surgir graças aos investimentos globais dessas empresas tecnológicas.

De acordo com um estudo da Inmarsat, empresa de comunicações móveis por satélite, 66% das agtechs gastarão até 20% do faturamento em inovações na área da tecnologia da informação. Esses investimentos prometem valorizar o mercado mundial de agtechs, que pulará dos atuais US$ 28,4 bilhões para US$ 240 bilhões em 2050, segundo o banco de investimentos americano Goldman Sachs Global.

Cornacchioni explica esse boom. “O mundo já está totalmente digital. Tudo o que a gente faz está, de alguma forma, relacionado a este universo. As operações bancárias exemplificam isso: são raríssimas as vezes que hoje vamos ao banco de forma presencial, pois temos uma cadeia de serviços digitais. Quando pensamos no agro, não pode ser diferente”, afirma.

Eventos mais tecnológicos

Prova disso foi a última edição da Agrishow, um dos maiores eventos do setor que ocorre anualmente em Ribeirão Preto, em São Paulo. “O agronegócio está cada vez mais envolvido com esse tema, vimos muito isso nessa edição. Das 25 edições, essa foi a melhor pelo volume de negócios, que movimentou R$ 2,7 bilhões, e pela circulação nos cinco dias de feira, chegando a mais de 160 mil pessoas. Todos do setor se interessam pelas novidades tecnológicas”, afirma Cornacchioni.

O calendário de eventos promete mais surpresas no agronegócio. Entre as feiras que ocorrerão no País este ano, destacam-se a Hortitec, Bahia Farm Show e Digital Agro – essa última realizada pela Frísia Cooperativa Agroindustrial e organizada pela Fundação ABC.

“O papel das cooperativas é viabilizar a tecnologia para produtores. Eu achei fantástica a iniciativa deles, de fazer um evento desse porte, pois com certeza essas soluções vão ser repassadas mais rapidamente e facilmente”, opina.

Na entrevista a seguir, Luiz Cornacchioni também fala sobre comércio eletrônico, infraestrutura e prevê como será o futuro do agronegócio no País:

CWS: O Brasil ainda sofre com a falta de infraestrutura. O sr. acredita que, em breve, teremos avanço nessa questão?

Luiz Cornacchioni: O Brasil não andou em relação à infraestrutura e logística. Infraestrutura é fundamental. Vimos isso no Agrishow. Aquelas máquinas absolutamente tecnológicas, com sensores, painéis e data, se não tiver como fazer os dados chegarem até você, essa tecnologia toda não serve para nada. É como comprar uma Ferrari e andar na areia: você vai estragar o carro e não vai conseguir andar com ele. A tecnologia 4G está mais estável em algumas cidades brasileiras. Mas não são todas, obviamente. No campo ainda existe uma deficiência de infraestrutura. Precisamos trabalhar isso com mais seriedade, pois essa questão está nos deixando para trás em relação a outros países. Precisamos dos dados para poder corrigir as falhas no campo. Se você está no meio da produção, esses equipamentos vão te ajudar a solucionar as falhas rapidamente. Se eu tiver esse dado cinco dias depois, o problema terá se transformado em um muito maior.

CWS: Conseguimos ter uma previsão de quando teremos uma infraestrutura adequada?

Luiz Cornacchioni: Gostaria que o avanço já tivesse acontecido. Em poucos meses, teremos um novo governo. Espero que, dentre as pautas, a logística e a infraestrutura entrem com urgência e que o novo governo crie mecanismos para que possam ser corrigidas essas falhas. Mesmo assim acho que ainda vamos demorar uns dois ou três anos, com muitos investimentos, para sairmos da precariedade e termos uma melhora no nível.

CWS: O que isso significará na prática?

Luiz Cornacchioni: Precisamos dela para a integração do agro o mais rápido possível. Muitos serviços se tornam mais simples digitalmente. Para o produtor, as soluções digitais o ajudam a ter mais informações e elas o ajudam a tomar decisões mais facilmente. É fundamental. O digital já acontece no campo, mas precisamos corrigir os problemas de infraestrutura. Hoje já existem muitas ferramentas de compra, aplicativos de fornecedores etc. Por isso, a importância de melhorar a infraestrutura no Brasil. Não adianta fornecer matéria-prima, ter toda uma plataforma digital, e o produtor não ter acesso pela falta de estrutura.

CWS: No futuro, com uma infraestrutura melhor, o produtor fará mais compras pela rede?

Luiz Cornacchioni: Não tenho dúvida. Isso já acontece com a gente. Eu não sou da geração digital, mas já estou comprando mais pela internet. Meus filhos fazem tudo na internet, nós acabamos acompanhando essa tendência. A mesma coisa vai acontecer no agro. Por isso, muitos serviços já estão se preparando para serem o mais digital possível.

CWS: Conseguimos ter uma estimativa da porcentagem de produtores rurais que já usam equipamentos integrados à internet?

Luiz Cornacchioni: Numericamente não é possível dizer. O maquinário hoje já vem com uma tecnologia embarcada de primeiríssimo mundo. Além disso, atualmente, 50% das startups têm alguma relação com o agronegócio. Eu acredito que hoje já temos muita tecnologia no agronegócio, tanto em máquinas, como em prestação de serviço e em relação a compra e venda. É comum a gente ver um produtor consultando sites de informações para preço e cotação de commodities. Já é algo que percebemos no dia a dia. Não sei precisar o número, mas certamente é bem relevante.

Investir em tecnologia, é investir em produtividade

Luiz Cornacchioni, da Abag. Foto: Adriano Stofaleti

CWS: Ainda vai demorar muito para, pelo menos, 80% da frota utilizar algum tipo de aparato tecnológico?

Luiz Cornacchioni: Acho que não. Porque a tecnologia não está apenas nas grandes máquinas. Você encontra em todos os portes, umas com mais, outras com menos. Com os resultados que o agro tem dado hoje, temos uma busca maior. No ano passado, nossa safra foi excepcional. Esse ano teremos uma safra boa, a segunda melhor, um pouco abaixo do ano passado. Nesse cenário, aqueles equipamentos mais antigos serão substituídos por maquinário mais tecnológico. É um ciclo que vamos ver acelerar daqui para frente. Isso se mantermos as condições macroeconômicas do País. Depois de um período triste nos últimos anos, nós já melhoramos muito economicamente. Tudo isso, todo o otimismo, nos dá certa estabilidade. O produtor tem uma consciência muito grande. Investir em tecnologia, é investir em produtividade. Investir em uma melhora na tecnologia, vai refletir em uma melhora de produtividade, que reflete em uma melhor margem. Vira um ciclo. É assim que a coisa funciona.

CWS: Qual é o nível hoje de digitalização das concessionárias? E o relacionamento delas com o produtor?

Luiz Cornacchioni: As revendas têm, de alguma maneira, que se adaptar a essa nova era porque a relação mudou muito, o comportamento do produtor também. Os equipamentos mudaram, as técnicas também. A gente até brinca que antes você abria um capô de um carro e podia mexer em alguma coisa. Hoje, você abre um capô e não pode fazer nada. Porque está tudo muito tecnológico. Daí você chama um técnico e aparece uma pessoa com notebook, celular, conecta lá, faz alguns testes… Não adianta nem chamar o mecânico da esquina, que ele não vai saber mexer. A mesma coisa é com as concessionárias, afinal, o nível de sofisticação de tecnologia embarcada, seja em motor, em câmbio, em transmissão, é alto. Você precisa bater nas revendas, com pessoas treinadas, não só para substituir, mas para diagnosticar o que aconteceu. O nível subiu demais. E a tecnologia entra para simplificar tanto o relacionamento como o diagnóstico. As concessionárias que oferecem ferramentas digitais saem à frente.

CWS: Muitas delas já têm ferramentas para pedidos online?

Luiz Cornacchioni: Muitas delas, sim. Até para você consultar. Não podemos esquecer que você tem máquinas que estão no campo. Muitas em pontos distantes da revenda, então se torna necessário que ela tenha plataformas digitais. O produtor faz a consulta, reserva o que precisa e faz o pedido. Precisa-se otimizar isso o máximo possível. O pior cenário, hoje, é ter uma máquina parada. Perde produção, gera prejuízo. O que o produtor precisa sempre é estar com seus equipamentos em pleno funcionamento para minimizar os gastos. Então, você tem que corrigir o problema o mais rápido possível para gerar produção. E isso só com a tecnologia.

CWS: O pequeno produtor também tem acesso à tecnologia atualmente?

Luiz Cornacchioni: Temos a ideia que só os grandes têm acesso, mas não é bem assim. Equipamentos de todos os portes e preços já têm tecnologia embarcada. E ainda tem a questão do smartphone, que está cada vez mais presente no campo e, também, o financiamento. Existe uma linha de crédito para atender todos os portes de produção.

CWS: Em cinco anos, o sr. acredita que a maioria dos trâmites do setor agrícola será por meio de plataformas digitais?

Luiz Cornacchioni: Acho que sim, partindo do pressuposto que nós vamos conseguir corrigir essa deficiência de infraestrutura. Até porque temos uma nova geração vindo aí. A geração que opera hoje já está ligada às plataformas digitais e aos aplicativos. Não que a geração mais antiga não utilize, mas essa nova já vem de “fábrica com esse chip”. É o mundo deles, foram educados dessa maneira.

CWS: Falando em aplicativos, como eles têm otimizado a rotina no campo?

Luiz Cornacchioni: Tem ajudado muito, tanto para venda como relacionamento. Ferramentas como o WhatsApp, por exemplo, facilitam a comunicação com a concessionária. O produtor tira uma foto, envia e, do outro lado, já é possível saber a peça e a causa daquele problema. Nós, aqui da Abag, por exemplo, temos um grupo de WhatsApp onde discutimos sobre diversos assuntos. É uma ferramenta muito boa para todos, pois otimiza o tempo.

CWS: E qual é o papel das redes sociais nesse contexto?

Luiz Cornacchioni: Existem grupos no Facebook para tirar dúvidas, cria-se uma comunidade. Lá, você faz consultas e contatos. A plataforma de vídeos YouTube é fantástica. Para solucionar problemas, os vídeos têm sido muito consultados. Em dois minutos, descobrimos como solucionar uma questão. Os cursos online – as chamadas plataformas e-learning – são demais, pois eles não precisam se deslocar até uma escola. O problema, de novo, é a falta de infraestrutura. Mas, não tenho dúvida, que são alternativas muito eficientes. Faz com que a tecnologia chegue mais rápido até eles.

CWS: O sr. diria que as empresas digitais do setor agrícola vão nascer no campo ou nas grandes cidades, como já ocorre?

Luiz Cornacchioni: Elas sempre nascem próximas da academia, que é onde está sendo desenvolvida a tecnologia, e depois vão para o campo. Mas cidades como Piracicaba, por exemplo, que têm universidades, estão cheias de empresas de tecnologias ligadas ao agronegócio. O que está acontecendo de novidade na agricultura, na pesquisa acadêmica e avançada, parte na universidade. Mas quando nasce uma ideia, você tem que colocar em prática, comprovar no campo. Então, elas nascem nos centros de pesquisa e depois vão para o campo para a experimentação. É um processo muito rápido.

CWS: Em um futuro breve, como o agro estará posicionado digitalmente?

Luiz Cornacchioni: O setor já opera em plataformas digitais. Quanto melhor for a infraestrutura, mais rápida será a transição. Teremos, na grande maioria, compras feitas digitalmente, seja por aplicativos, sites, e-mail ou outra ferramenta. A relação será digital. É claro que isso não exclui a relação pessoal, até porque, em algum momento, o contato físico será essencial. O que ocorre com os bancos, vai ocorrer no campo: as plataformas vão resolver os problemas, mas, vez ou outra, a pessoa terá que conversar com alguém, seja por telefone ou pessoalmente. Mas a tendência é que mais serviços sejam feitos digitalmente.