Referência em pesquisas sobre inteligência artificial no Brasil, Adriano Mussa analisa o uso da tecnologia no País, e como ela irá, inevitavelmente, afetar setores importantes em poucos anos

Já é sabido que o uso de tecnologias não é mais um plano para o futuro; é preciso fazer parte da estratégia atual para que empresas não morram amanhã. E, em meio a tantas iniciativas e inovações, a inteligência artificial (IA) vem liderando ações em praticamente todos os setores.

Mas não se engane: inteligência artificial não refere-se, apenas, aos “robôs que vão dominar a humanidade”, como disseminado em filmes e séries de TV. Ela é o ponto de partida para todos os tipos de transformações, sejam elas pequenas ou grandes.

“A inteligência artificial é a principal tecnologia hoje”, resume Adriano Mussa, diretor acadêmico de Pesquisas e de Inteligência Artificial da Saint Paul Escola de Negócios. “Acredito fortemente que a IA é a nova energia elétrica.”

De fato, essa tecnologia tem sido fundamental em um mundo que, a cada década, se torna mais digitalizado. Se antigamente pedir uma refeição exigia ligar para um restaurante e despender tempo, hoje, com um clique, encontramos a comida que desejamos, no restaurante que queremos e conseguimos até acompanhar o pedido em tempo real.

O mesmo se aplica aos trajetos: antes, dependíamos do mapa impresso para chegar a um determinado destino. Hoje, aplicativos revelam a rota e, o melhor, com dicas para fugir do trânsito e até do rodízio.

Em ambos os casos, a inteligência artificial se faz presente. A partir de dados, a tecnologia entra para analisar comportamentos, traçar o perfil do consumidor atual e lançar serviços disruptivos – beneficiando companhias e suprindo às necessidades do usuário.

“Os dados são o grande combustível da IA. Eles vêm possibilitando a criação e aprimoramento de empresas, serviços e produtos que nunca seriam possíveis antes. A inteligência artificial é alimentada por dados, são diversos deles que, separadamente, poderiam não significar nada, mas ao serem cruzados com infinitas possibilidades se tornam valiosos e estratégicos”, afirma Mussa.

Não por acaso, as companhias mais valiosas do mundo são baseadas em inteligência artificial, entre elas estão nomes como Amazon, Apple, Google, Microsoft, Facebook (agora Meta), Alibaba e Tencent.

Ações e ferramentas que usam inteligência artificial estão no centro de projetos que envolvem transformação digital. “Não é possível falar em negócios, sociedade ou educação sem passar pela transformação digital”, diz Mussa.

Felizmente, 8 em cada 10 executivos percebem a transformação digital como um fator que impacta diretamente seu mercado de atuação, segundo o estudo Business Impact Insights, feito pela multinacional brasileira CI&T, que analisou cerca de 200 executivos com cargos de liderança.

Mudanças
Adriano Mussa: “Não é possível falar em negócios, sociedade ou educação sem passar pela transformação digital”. Foto: divulgação

“As novas tecnologias estão mudando rapidamente os mercados e modelos de negócio. É necessário acompanhar as novidades para garantir que as empresas continuem sendo relevantes nos próximos anos”, diz.

Investir é preciso

Segundo Mussa, diversas companhias – em especial as norte-americanas e as chinesas – que iniciaram o processo de transformação digital há alguns anos já usufruem do ciclo virtuoso, tornando a vida de quem ainda não começou a jornada digital cada vez mais difícil.

A lógica vem de um estudo da consultoria americana McKinsey, que afirma que os front runners – aqueles que absorverem a tecnologia nos primeiros 5 a 7 anos – irão ter um ganho cerca de 12 vezes maior do que aqueles que absorvem a partir de 2030.

Empresas que não tiverem inserido tecnologia até 2030, não ganharão e, ainda, passarão a ter prejuízos.

“Apesar de algumas companhias brasileiras terem uma visão mais focada no digital e já estarem fazendo grandes avanços em suas áreas, a maior parte ainda não entendeu o potencial completo das novas tecnologias e as utilizam de forma superficial”, aponta Mussa. “Enxergam mais como ‘enfeite de marketing’ do que como uma estratégia de mudança de negócio a longo prazo.”

Esse atraso na adoção mais efetiva de tecnologias, sobretudo em relação à inteligência artificial, é refletido na pesquisa “Sizing the prize”, da consultoria PWC. Estima-se que a IA vai agregar US$ 15,7 trilhões na economia mundial até 2030, representando crescimento de aproximadamente 14% no PIB mundial.

“No entanto, a distribuição dessa riqueza será bastante desigual entre os países e regiões”, alerta Mussa. “Eles estimam que a China ficará com US$ 7 trilhões; EUA e Canadá, US$ 3,7 trilhões; Europa com US$ 2,5 trilhões; e, infelizmente, a América Latina com US$ 0,5 trilhão, cerca de 3% do total. Isso é muito pouco e reflete o quanto não estamos conseguindo entender e usar a tecnologia com a velocidade adequada”, afirma.

Mercados em transformação

Para Adriano Mussa, um setor em especial têm se destacado no uso de inteligência artificial: o financeiro. “Por questões regulatórias, esse mercado tem uma enorme quantidade de dados de cliente e operações. Como dados são o insumo para aplicação da IA, este é um setor que tem tudo para sair na frente”, comenta.

Os setores de logística e comunicação, segundo ele, também têm se beneficiado com o uso da inteligência artificial. “O que vemos nesses três mercados caminhando via IA é, especialmente, a personalização muito forte e um nível de eficiência muito difícil de ser clonado”, analisa. “Na verdade, tenho dificuldade em apontar qual setor não será afetado com a IA.”

A quarta revolução industrial, de acordo com Mussa, é a automação chegando aos serviços. E, outra vez, a inteligência artificial facilita muito esse processo.  

“Gosto de dar o exemplo da Amazon, onde o sistema de recomendação de livros deles nos Estados Unidos é muito melhor do que a minha busca ativa de livros. Não sou tão eficiente quanto à Amazon na recomendação dos meus próprios livros”, brinca Mussa. “Isso representa uso intensivo de IA.”

Para o especialista, esse é só começo da demonstração do poder da inteligência artificial. Ainda veremos muitas transformações e surgimento de novos modelos de negócio baseados nessa tecnologia.

“Afinal, como diz uma das maiores autoridades no assunto, Andrew Ng, ‘tudo que requer poucos segundos de pensamento, provavelmente, será automatizado pela inteligência artificial’”, finaliza. Aguardemos.