A principal empresa de turismo brasileira, que acaba de completar 50 anos de história, está investindo pesado em novas soluções digitais. Em entrevista ao Insights, Tulio Oliveira, diretor executivo de Tecnologia e Novos Negócios da CVC Corp, detalha como os dados têm ajudado a sofisticar a empresa
Um dos grandes setores afetados pela pandemia foi, sem dúvida, o de turismo. As fronteiras fechadas e o cenário instável na maioria dos destinos durante os últimos dois anos fizeram muitos brasileiros adiarem suas viagens.
De acordo com a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), a indústria do turismo no Brasil perdeu R$ 473,7 bilhões desde o começo da pandemia até o final de 2021. Para não sucumbir à crise, a adoção de novas tecnologias também se fez necessária neste setor.
A segunda maior empresa de capital aberto deste mercado na América Latina – atrás apenas da argentina Decolar -, a CVC aproveitou a calmaria dos últimos anos para planejar seu próximo destino: a personalização de produtos e serviços.
Para correr atrás do prejuízo líquido acumulado em R$ 1,3 bilhão desde 2019, a empresa apostou nos dados para ser a principal alavanca de crescimento quando a retomada viesse. A investida tem um propósito muito bem definido, que é o de conhecer o turista tanto quanto conhece de turismo, oferecendo mais do que simplesmente pacotes de viagens, mas, sim, uma experiência completa.
“Para isso, criamos um repositório único que reúne dados das mais diversas fontes e interações que o cliente tem conosco”, explica Tulio Oliveira, diretor executivo de Tecnologia e Novos Negócios da CVC Corp. “O objetivo disso é ter uma visão 360 graus do cliente, que alimente nossos algoritmos de inteligência artificial para, consequentemente, podermos oferecer um destino ou produto mais adequado para a necessidade daquele cliente.”
De acordo com o executivo, na base da CVC há mais de 27 milhões de viajantes, que geram 9 bilhões de cruzamentos de informações – números responsáveis por entregar uma recomendação de destino personalizada para, por enquanto, 10 milhões de pessoas.
“Para que o cliente se sinta de fato mais conectado com a empresa, não queremos ofertar praia para quem está buscando montanha ou vice-versa. E o caminho para isso é perseguir o que chamamos de ‘personalização 1:1’, ou seja, queremos atingir, a partir dos motores de machine learning, a excelência de fazer oferta única e individual para cada viajante, independentemente do canal”, acrescenta Oliveira.
Até agora, os resultados da personalização 1:1 têm surpreendido. As campanhas que utilizam os destinos recomendados pelos algoritmos têm convertido até três vezes mais comparadas às tradicionais. “O objetivo final da transformação digital é encantar o cliente, melhorar sua experiência, tornando a CVC a marca mais atrativa para todos os viajantes”, justifica o executivo.
Investimentos altos
Para fomentar as iniciativas no campo digital, a CVC segue fazendo investimentos robustos em busca da constante inovação. Somente em 2021, a companhia investiu R$ 134 milhões em atualização contínua de suas tecnologias. Neste ano, a expectativa é superar esse montante em 20%.
Os investimentos também abrangem novas aquisições, que chegam para acelerar a empresa rumo sua transformação digital: a WeTrek, um aplicativo de geolocalização digital, e a VHC, que é focada no aluguel de casas de veraneio em cidades dos Estados Unidos e em Gramado, no Sul do Brasil.
Presença física e digital
Diferentemente de sua principal concorrente que nasceu 100% digital, a CVC fez seu nome através da forte presença física. Atualmente, a companhia tem mais de 1,2 mil lojas espalhadas em mais de 500 municípios brasileiros.
A estratégia digital tem tudo para fortalecer ainda mais a marca, propiciando que o cliente seja atendido no canal que preferir. “Essa será a grande fortaleza da CVC”, reforça o executivo.
Todas as lojas da rede estão sendo modernizadas, a fim de ofertar a melhor experiência aos clientes em toda sua jornada e em qualquer ponto de contato.
De acordo com Oliveira, o atendimento físico também será personalizado, sendo que esse novo modelo contempla diferentes mesas de atendimento dependendo do que cada cliente deseja.
As mesas de atendimento tradicionais, por exemplo, são para os clientes que buscam consultoria e querem contar com especialistas desde a escolha do destino até o planejamento da viagem. Já as mesas flexíveis são para quem já pesquisou muito, já tem o destino definido, mas quer uma recomendação profissional.
Haverá, ainda, a mesa cool, destinada aos consumidores que programaram toda a viagem, mas querem contar com a assistência da CVC para finalizar a compra. “Ou seja, a personalização está presente em todas as pontas, conseguindo atender a todos os perfis de clientes”, complementa.
Para Roberto Kanter, professor dos MBAs da FGV e fundador da consultoria Canal Vertical, em tempos atuais, focar na experiência do cliente é a melhor estratégia.
“Atualmente, se o agente de viagens for querer disputar com o cliente quem está melhor informado sobre um destino, certamente, a chance de ele perder será enorme, porque o viajante já vem muito bem informado, por conta da digitalização. O agente, agora, conquista na experiência, ao conhecer melhor o cliente e seus gostos”, afirma Kanter.
Visão de plataforma
A CVC avança na convergência dos canais e também na plataformização. O foco da companhia, neste momento, está em transformar seus sistemas no modelo de plataforma, onde se constrói uma vez só e replica para todos os canais, ganhando, assim, mais eficiência. “Com isso, a experiência do cliente final fica mais ‘seamless’”, resume Tulio Oliveira.
No mundo físico, nas franquias do grupo, a presença da evolução tecnológica já é notável. Os clientes têm a possibilidade de receber o orçamento de sua viagem por meio de um link via WhatsApp, SMS, e-mail ou até mesmo comprar de forma online, a partir do seu celular, uma negociação iniciada na loja.
Por meio desse “orçamento dinâmico”, o viajante pode acompanhar as variações da viagem cotada em tempo real e fazer a compra no momento em que for mais conveniente para ele.
“Conectar os mundos físicos e digitais hoje é o que o cliente busca e precisa. A CVC Corp caminha a passos largos para deixar essa jornada mais conveniente e fluida para o viajante”, diz o executivo.
Para isso, todos os pontos de contato foram unificados, de modo que os franqueados e agentes de viagem têm acesso à base de dados da companhia, que é alimentada e atualizada constantemente.
De acordo com o professor Roberto Kanter, a nova estratégia se mostra assertiva. “A única maneira de concorrer com uma empresa que é 100% digital, como a Decolar, é você ser digital. A ideia dela se digitalizar totalmente ou aumentar a importância da digitalização em seu modelo de negócio é o único caminho para crescer”, afirma Kanter.
Tudo na palma da mão
Outra funcionalidade que tem sido cada vez mais aprimorada é o aplicativo “Minha CVC”. Recentemente foi disponibilizada a função “Hotel Check-in”, que permite que os clientes da operadora façam o check-in no hotel por meio do app, com o objetivo de economizar tempo.
O marketplace de acessórios é outra novidade que dá acesso a benefícios e descontos exclusivos em serviços complementares da viagem, como aluguel de malas e hospedagem para pets. “Outros parceiros estão na fase de implantação e, em breve, estarão disponíveis para todos os clientes CVC”, garante Tulio Oliveira.
A previsão é que em sua próxima atualização o aplicativo traga sugestões personalizadas de acordo com o perfil da viagem adquirida – ao comprar uma viagem para ver neve, por exemplo, o cliente receberá ofertas de produtos como casacos, botas e luvas.
Para quem ainda está no planejamento, a home vai trazer promoções que vão ajudar na decisão. “Para quem já tem a viagem comprada será apresentado conteúdo pré-embarque e outras opções de serviços para complementar o que já foi adquirido”, diz o executivo.
“O aplicativo foi desenhado a partir do conceito de MVP – Produto Mínimo Viável -, muito utilizado por startups. Isso significa que o produto vai evoluir ao longo do tempo de acordo com o comportamento do usuário.”
O setor de turismo do futuro
Além de promover viagens com menos fricção, a CVC almeja, por meio da tecnologia, oferecer experiências que vão além da personalização de produtos e serviços.
Uma forte tendência é o uso da biometria para ter acesso a aeroportos, seja para check-in ou embarque. Outra, a entrada em hotéis usando digital keys presentes no celular.
“Também podemos afirmar que cafés, restaurantes e eventos terão experiências de compra 100% digitais, móveis e com cada vez menos interações com humanos no momento da compra”, acrescenta Oliveira.
O Data Science também está na mira do setor. Para o executivo, o poder dos dados vai oferecer enormes oportunidades para este mercado. “Isso inclui o desenvolvimento de uma experiência cada vez mais personalizada, coesa e fluida, implementando em larga escala IoT, biometria e assistentes de voz durante toda a jornada do viajante.”
Ele também lança luz para a descentralização no turismo, isto é, modelos como o de identidade digital (SSI) e blockchain, que podem revolucionar o mercado de viagem.
“A aplicação de NFTs no conceito do booking pode permitir que passageiros remarquem, cancelem ou mesmo façam o ‘trade’ de viagens no momento que quiserem”, diz Tulio Oliveira, que também acredita que ações que visam a sustentabilidade farão cada vez mais parte do turismo do futuro.
Para Roberto Kanter, o grande desafio da companhia será entregar uma solução completa e crescer como marketplace. “O ponto não é se ela está atrasada ou adiantada em sua transformação digital. A questão central está no produto digital, em entregar uma solução com alto desempenho”, opina.
Além disso, Kanter acredita que a maior dificuldade de uma empresa grande como a CVC não está na questão da tecnologia em si, mas, sim, da cultura.
“A CVC tem como tendência verticalizar, gosta de ser dona do hotel, do ônibus, das coisas que ela vende, enquanto o conceito de marketplace prevê a entrada de bons parceiros. Ela terá que romper esse paradigma”, diz. Mas, a julgar seu apetite pelo digital e suas transformações em curso, com o perdão do trocadilho, a CVC tem tudo para decolar.