Conheça marcas famosas na internet que expandiram sua atuação para o mercado físico. Especialista explica as vantagens e os desafios para essas empresas e por que o conceito phygital representa o futuro do varejo

Um caminho natural e esperado no varejo é estender sua atuação ao mundo digital através de um e-commerce ou marketplace. No entanto, o inverso tem chamado a atenção dos consumidores. Muitas marcas que alçaram à fama na internet, agora, também podem ser “acessadas” presencialmente.

Impulsionadas pelo conceito phygital, no qual a loja física complementa a digital e vice-versa, nomes como MoblyMadeiraMadeiraBeleza na Web e até a poderosa Amazon já têm seus próprios pontos físicos espalhados pelas grandes capitais. Nessa onda, até o Google já anunciou a abertura de sua primeira loja física, em Nova York.

Esse movimento, no entanto, não é de agora. Em meados de 2015, marcas consagradas online, como a Warby Parker, especializada em óculos, e a Indochino, em ternos, se lançaram no varejo tradicional.

“Com o boom da internet, por muito tempo se achou que o varejo online seria suficiente para dominar o mundo das transações, enquanto o físico deixaria de ser importante. Mas o modelo inverso (das lojas online irem para o mercado físico) ressalta a importância da sincronia de ambas as operações”, diz Roberto Kanter, professor dos MBAs da Fundação Getúlio Vargas e diretor da consultoria Canal Vertical.

Cliente mais próximo

Por trás das iniciativas das marcas que buscam a multicanalidade está a estratégia de se aproximar do cliente. “Essa é uma tendência irreversível”, aponta Kanter. “Por isso, muitas empresas têm seguido este caminho, sobretudo, colocando o cliente no centro de tudo, o chamado ‘customer centricity’”.

Mas é preciso tomar alguns cuidados na hora de seguir essa estratégia. Se no online a marca tem a possibilidade de oferecer uma variedade gigantesca de produtos, exaltando conceitos como prateleira infinita entre outros, na loja física, há limitações. Logo, é preciso fazer uma afinada curadoria de produtos, gestão de categorias e de pessoas, e a tal mudança cultural, uma vez que o atendimento será a principal vitrine dos varejistas físicos.

A operação precisa estar totalmente integrada, de modo que o cliente, mesmo em um ponto físico da marca, consiga ter acesso ao portfólio completo e aproveitar conceitos tão importantes no varejo.

“A Natura é um excelente exemplo de uma operação bem conectada. As vendedoras estão integradas, a marca está presente em múltiplos canais, tudo em sintonia. É uma visão que beneficia os interesses do consumidor e da empresa, provando que os modelos online e offline precisam se complementar”, diz Roberto Kanter.

Fora do País, a empresa mais famosa por colocar o cliente no foco de suas ações é a Amazon. E ela também quer dominar o varejo tradicional. Sua operação bilionária tem ganhado força também fora da rede, com supermercados inteligentes e até lojas que comercializam apenas produtos estrelados – aqueles que são bem avaliados na plataforma.

“A pandemia alterou muito os projetos de muitas companhias, incluindo a Amazon. Não tenho dúvida que, quando tudo passar, a empresa de Jeff Bezos irá expandir para outros países e se tornará uma gigante também do varejo tradicional”, prevê Kanter.

O segredo é ser phygital

No Brasil, há cases interessantes que fizeram o caminho inverso, entre eles a MadeiraMadeira, de decoração e móveis, que iniciou sua operação virtual em 2009. Onze anos depois, a marca abriu sua primeira loja física, somando, hoje, 42.

“Com as lojas físicas, a MadeiraMadeira dá mais um passo rumo ao desejo de atender o consumidor em todos os canais possíveis e tornar-se o parceiro mais confiável para produtos e serviços para a casa”, diz Ana Gabardo, diretora comercial da MadeiraMadeira.

Para 2021, a companhia, que se tornou unicórnio recentemente (quando atinge valor de mercado superior a US$ 1 bilhão), planeja abrir 120 pontos físicos.

“Os clientes já conhecem a marca e já tiveram experiências anteriores com a gente. Agora, a excelência em atendimento ficou mais perto. Oferecendo uma consultoria especializada, trazemos o conceito de casa para a loja, com ambientes preparados para ter um bom mix de produtos de todos os cômodos de uma casa”, explica Ana.

Para o professor Roberto Kanter, a marca percebeu que uma loja online não seria suficiente para alcançar toda a capilaridade do negócio, já que o mundo é multicanal.

“Mas eu, particularmente, não usaria um nome tão definitivo que pode apresentar limitações. Talvez tivesse aberto as lojas com um novo nome, criado uma segunda marca, com um nome não tão específico. Pode ser que esse se prove, no futuro, o ‘calcanhar de Aquiles’ da operação.”

Também no setor de decoração, outra famosa das redes é a Mobly, que estreou no mercado físico em 2019. A abertura da primeira loja, que exigiu investimento de R$ 6,5 milhões, foi impulsionada por três fatores: fortalecimento da marca, multicanalidade e a procura cada vez maior dos clientes pelo endereço físico, que correspondia, na época, a 7% das ligação recebidas pelo SAC.

Segundo o CEO da Mobly, Victor Noda, apenas 5% das vendas no mercado de móveis vêm da internet, mostrando que o consumidor desse nicho está ainda muito amarrado no varejo tradicional. “Ele quer testar e ver o produto pessoalmente antes de comprar. Esse é o nosso desafio diário”, diz.

Digital sempre

Victor Noda, CEO da Mobly: “Hoje não existe mais algo 100% online ou 100% físico. É preciso trazer a experiência do cliente e os benefícios desses dois mundos”. Foto: Fernando Cavalcanti

A loja física, no entanto, chegou para mudar esse cenário. Isso porque, para o executivo, o público tem a oportunidade de conhecer o portfólio e a qualidade dos produtos e, assim, ganhar mais confiança independentemente do canal que escolher para comprar.

“Hoje não existe mais algo 100% online ou 100% físico. É preciso trazer a experiência do cliente e os benefícios desses dois mundos”, comenta Victor Noda, CEO da Mobly.

Dois anos após a estreia, a marca conta com unidades próprias e franquias, e parcerias com outros varejistas. No segmento pet, a marca carioca de acessórios Zee.Dog tem alçado voos cada vez mais altos. “Para mim, ela é o melhor exemplo de empresa que começou online e agora está expandindo de uma forma muito bem-sucedida para o offline”, diz Roberto Kanter.

Com lojas no Rio de Janeiro e Nova York, e mais de 40 franquias no País, o portfólio da empresa também pode ser encontrado em mais 23 países.

“Um excelente case de uma marca phygital que tem promovido ações interessantes para os donos de pets e seus animais, aproximando os clientes da marca”, comenta, referindo-se ao chamado “templo Zee.Dog”, espaço para eventos e workshops, com café, produtos e até parque para os animais. “É uma marca integrada, completa e com foco no consumidor.”

Embora seja essencial nos dias de hoje ter uma estratégia multicanal, o especialista alerta que nem sempre empresas que têm êxito no online terão no offline. E, para não correr esse risco, ele finaliza com uma dica de ouro.

“No mercado físico jamais decida por preço. Nesse caso, o ponto é sempre o principal diferencial. Não tente replicar na loja física a mesma operação online; é um novo negócio, uma nova identidade”, frisa Kanter.