No início de 2020, quando os primeiros casos de Covid foram reportados no mundo, poucos líderes foram capazes de antever o cenário de ruptura que se seguiu.
Porém, em pouco tempo, todos foram chamados para reagir aos impactos na cadeia de suprimentos, às flutuações na demanda e aos níveis extraordinariamente altos de incerteza. A capacidade dessas empresas de gerenciar os percalços da pandemia oferece uma ilustração daquilo que se chama de “Mito da Transformação”.
O mito é a ideia de que a transformação é um evento bem delimitado com um começo e um fim, durante o qual as organizações migram de um estado “pronto” para outro, quando na verdade é um processo contínuo de adaptação a um ambiente altamente volátil, ambíguo e incerto, moldado por múltiplas disrupções sobrepostas.
Porém, passado o período crítico da pandemia, mais executivos estão começando a ver a disrupção e a transformação como processos contínuos. Em uma pesquisa de 2021 da Deloitte com 2.260 CXOs em 21 países, 60% dos entrevistados disseram acreditar que interrupções como aquelas vistas em 2020 vão persistir.
O dado, contudo, é confrontado por outra descoberta da pesquisa: 70% dos mesmos CXOs não têm total confiança na capacidade de resposta de sua organização e de se adaptar a eventos disruptivos.
A pesquisa sugere ainda que as empresas mais bem-sucedidas em enfrentar o desafio da transformação contínua são aquelas que inovam por meio da disrupção. Elas atingem este nível após desenvolver três capacidades-chave que se sobrepõem e operam em conjunto:
1) Agilidade: A capacidade de pivotar um modelo e se seguir nesta direção rapidamente. (“Nós costumávamos fazer isso, mas agora fazemos isso.”)
2) Escalabilidade: A capacidade de mudar rapidamente a oferta e os níveis de serviço. (“Costumávamos atender x clientes; agora atendemos 100x clientes.”)
3) Integrabilidade: A capacidade de adquirir novos recursos por meio de colaboração externa. (“Nosso ecossistema de parceiros nos permite fazer coisas para os clientes que não podíamos fazer anteriormente.”)
Cada um desses pilares é suportado por tecnologias digitais – computação em nuvem, análise de dados, machine learning, etc –, mas elas se estendem além da adoção da tecnologia em si. Mais importante que os investimentos em tecnologia, é como as empresas lidam com a tecnologia para se transformar em resposta à disrupção.
A palavra “pivô” tem sido bastante utilizada pelas empresas do Vale do Silício. A analogia diz respeito ao movimento de um jogador de basquete: ele rapidamente para a jogada, mantém uma das pernas fixas, observa e gira em torno do seu eixo para explorar diferentes opções de passe. Esse é o conceito do pivô em empresas disruptivas: girar rapidamente em outra direção e testar novas hipóteses, mas mantendo sua base para não perder a posição já conquistada.
Esta agilidade determina tanto a velocidade de resposta das empresas quanto sua capacidade de mudança mediante a eventos inesperados. E nos dias de hoje, são as tecnologias digitais os melhores meios para propiciar esta característica.
Por exemplo, o uso de algoritmos baseados em machine learning para determinar padrões de usuários a fim de oferecer bens e serviços personalizados. Ou o uso de sistemas/plataformas SaaS que contribuem com novos recursos técnicos para a avaliação de negócios.
Estes são apenas dois pequenos exemplos de tecnologias que já estão disponíveis e podem ser utilizadas para “pivotar” novas iniciativas dentro de modelos de negócio já estabelecidos ou até mesmo pensar em novos negócios.
A pesquisa também mostrou que as empresas exibem certas características culturais à medida que amadureceram digitalmente, como encorajar experimentos para teste e aprendizado contínuo, reconhecer e recompensar a colaboração das equipes, aceitar o risco de fracasso e organizar-se em squads (equipes multifuncionais) com considerável autonomia. Essas características culturais são a principal maneira pela qual essas organizações impulsionam a mudança digital.
Por trás desta alteração cultural, existe uma mudança na metodologia de trabalho e de processos, que passa a enxergar no desenho de “testagem-falha-correção-aprendizado” um caminho para o desenvolvimento de novos modelos de negócios. É um caminho muito diferente do caminho linear e previsível que muitas empresas estão acostumadas a presenciar em suas técnicas de elaboração de cenários, porém, este tem sido o caminho vencedor e ajustado às novas dinâmicas de mercado.
Companhias que adotam esta metodologia adaptam seu perfil de risco de forma diversa às empresas tradicionais, fazendo seus investimentos (CAPEX) e analisando seus indicadores de retorno de maneira não-linear, mas de acordo com o momento da operação ou da fase em que se encontra o projeto. Desta forma, agir de forma rápida para as mudanças (correções de rumo) e revisando assim as novas rodadas de aportes nos projetos, se torna a estratégia vencedora no longo prazo.
A segunda capacidade encontrada nas empresas do estudo e que também deriva das tecnologias digitais é a escalabilidade. “Escalável” normalmente se refere à capacidade de empresas que priorizam o digital, como Google e Facebook, de atender aos ditames operacionais de rápido crescimento. A escalabilidade é a capacidade de lidar com aumentos e quedas vertiginosas na oferta e demanda que podem surgir da noite para o dia.
Exemplo desta escalabilidade é o Zoom. Entre dezembro de 2019 e abril de 2020, o número de usuários que utilizavam a plataforma diariamente aumentou de 10 milhões para mais de 300 milhões. A Skillsoft, uma empresa de tecnologia educacional, também experimentou um aumento na demanda por seu conteúdo de aprendizado digital. “A Covid-19 avançou a digitalização no processo de aprendizado em cerca de dois a três anos em algumas empresas”, disse o diretor de conteúdo Mark Onisk. “Vimos um aumento de 300% no consumo do nosso produto.”
Um outro exemplo de como as ferramentas digitais podem promover a escalabilidade de processos pode ser demonstrado por meio dos processos de atendimento de clientes. O conceito de autoatendimento – trazido ao Brasil no início dos anos 90 pelos bancos – hoje pode ser oferecido por todas as empresas a seus clientes.
Este conceito, de digitalização da carteira de clientes, é um dos grandes ganhos da Transformação Digital nas empresas, que no final espera obter ganhos de produtividade da equipe de vendas, aumentando o número de pedidos por vendedor e o nível de receita incremental da carteira.
O processo ao todo envolve quatro etapas:
3. Integrabilidade: Conectando-se a um Ecossistema
A integrabilidade é a capacidade de aproveitar os recursos de outras empresas e organizações para se tornarem ainda mais ágeis e escaláveis. Muitas vezes, ele é criado por meio de um ecossistema robusto de parcerias que ajudam uma empresa a experimentar, aprender e, por fim, importar recursos necessários para se transformar.
As organizações de sucesso usam este formato de parcerias para apoiar várias iniciativas no processo de inovação, criando ecossistemas de capacitação com objetivos de curto e longo prazos. Os ecossistemas permitem que as organizações operem de maneira mais flexível, proporcionando acesso a mais profissionais e uma maior gama de novas iniciativas. Com este aumento e diversificação, o risco de experimentação e aprendizado cai consideravelmente.
Um exemplo de integrabilidade por meio de Ecossistemas pode ser observado na Plataforma Supercampo. Tendo como objetivo de ser o “Magalu” das cooperativas, já conta com quase 50 revendas mais de 26 mil produtos disponíveis.
“O mercado agro carece de boas soluções digitais e de uma plataforma que, de fato, simplifique a vida dos produtores rurais. Com a Supercampo, buscamos fortalecer esse setor através da presença das cooperativas no ambiente digital, onde podemos somar esforços e ganhar escala”, comenta Ronald Eikelenboom, COO (Chief Operating Officer) da Supercampo.
Ao escolher um fornecedor que lhe propiciasse o acesso a um ecossistema, a empresa nasceu já conectada a uma estrutura de mais de 5 mil fabricantes cadastrados, cobrindo aproximadamente 11 milhões de aplicações por meio de 2 milhões de produtos.
A empresa nasceu assim com um acesso a R$ 3 bi em estoques para oferecer a seus clientes. Da mesma forma, as empresas já participantes do ecossistema ganham, de imediato, o acesso a mais de 80 mil clientes cooperados da agropecuária proporcionados pela Supercampo.
“Os cooperados estão bem animados. Não temos dúvida de que a plataforma será um divisor de águas no setor”, afirma Eikelenboom.
A verdadeira ruptura começa agora
O perfil de “empresas resilientes” encontrados na pesquisa usam os três recursos descritos acima como resposta a um mundo cada vez mais disruptivo. Frente à ameaça de novas variantes ou mudanças no próprio ambiente de negócios, estas empresas deixaram de buscar o “Mito da Transformação” e passaram a operar em um processo de três etapas: responder, retomar e prosperar.
O primeiro passo – responder – é a ação imediata e decisiva que uma empresa toma para responder a uma ameaça existencial, como a Covid-19. O segundo passo – retomar – não é um retorno ao passado, mas uma resposta de como aproveitar as oportunidades apresentadas pela disrupção.
O terceiro passo – prosperar – é onde as organizações traçam um novo caminho, empunhando as mudanças transformacionais forjadas pela disrupção e construindo organizações ainda mais resilientes e bem-sucedidas.
Por estes motivos, agora é o momento certo para as empresas inovarem e prosperarem e não se refugiarem nas formas pré-pandemia de fazer negócios.