Focar no consumidor omnichannel e apostar em iniciativas de longo prazo estão entre as estratégias que blindaram a companhia durante a crise. Agora, além liderar seu mercado de atuação, a gigante se prepara para estrear em mais um país na América do Sul

Imaginar cenários futuros e criar planos para lidar com situações adversas são comuns no mundo dos negócios, uma vez que certas mudanças podem pegar muitos empresários desprevenidos.

A julgar pela crise que se instalou no Brasil entre 2015 e 2016, período que carimbou resultados catastróficos para os negócios, sobretudo, no varejo. O setor contabilizou mais de 226 mil lojas fechadas, segundo a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC).

Para a Renner, no entanto, a fase de vacas magras representou uma espécie de termômetro para medir as ações iniciadas em 2012, quando já se preparava para eventuais instabilidades na economia.

Nessa época, investiu na renovação da plataforma digital, reformou lojas e lançou mão de tecnologias para melhorar a jornada de compra de seus clientes. Munida de boas iniciativas, quando a crise apertou, não representou ameaça. Pelo contrário. Serviu para conquistar território.

Se em 2013, a Renner tinha apenas 3,6% de presença de mercado nacional, hoje, ela lidera o setor de varejo de vestuário, com 4,7%, de acordo com um levantamento de 2018 da consultoria internacional Euromonitor. “A Renner soube se preparar para a turbulência, teve ousadia de dar crédito aos clientes e de não fechar lojas físicas. Manteve uma postura resiliente e ganhou mais relevância no mercado”, opina Eduardo Terra, presidente da Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo.

Sua relevância no mundo dos negócios foi comprovada recentemente durante um seminário promovido pela revista IstoÉ Dinheiro em parceria com a consultoria britânica Kantar e a Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM).

O evento apresentou o ranking das 50 marcas mais valiosas do Brasil. Para a escolha são analisados dois pontos fundamentais: o financeiro, que considera o valor do negócio da companhia; e sua imagem perante os consumidores e investidores. A Renner ocupa a nona posição do ranking.

A boa colocação deve-se, sobretudo, aos resultados de 2018. Pela primeira vez na história da empresa, ela alcançou o primeiro bilhão no lucro líquido. Seu valor de mercado já passa dos R$ 30 bilhões – pouco menos que a maior varejista do País, a Magazine Luiza, com R$ 33 bilhões.

Em entrevista à CWS, Laurence Gomes, diretor financeiro e de relações com investidores da Renner, credita o sucesso da empresa às iniciativas inovadoras. “Acreditamos que em momentos de crise e de instabilidade, aquelas marcas que têm diferenciais competitivos ganham share. Empresas que têm significado são blindadas em momentos de incerteza”, diz Gomes.

Ao fazer um retrospecto, em 2013, mesmo com as margens operacionais boas, a companhia começava a se preparar para mudanças significativas. A começar, pela contratação de uma empresa especializada em gestão de custos, que reduziu processos e estruturas internas.

A ação tornou a companhia mais enxuta e ágil, sobretudo, mais forte para a crise que chegava dois anos depois. Entre as mudanças está a suspensão da operação financeira de cada loja, tornando uma área unificada e compartilhada por todas. “Com isso, reduzimos custos e ganhamos produtividade, já que 40% do tempo do gerente era ocupado com atividades administrativas. Conseguimos eliminar 100% delas e eles puderam se ocupar com o que realmente importa dentro de uma loja: o cliente”, afirma Gomes.

Tecnologia em foco

A cada ano, o pacote de iniciativas no âmbito digital ganhava mais força, através das melhorias na plataforma e do relacionamento mais próximo com os consumidores. Mas no ano passado, a Renner, de novo de olho no futuro (e no presente), iniciou com muito mais intensidade seu ciclo digital. Dividido em três projetos estruturais, o primeiro deles foca na comunicação personalizada, a partir de dados coletados. Afinal, cliente satisfeito é cliente fidelizado.

O segundo é marcado pelo ciclo de vida do produto. A inteligência de dados, aqui, entra como ferramenta para a criação de coleções, que se tornam cada vez mais assertivas, resultando em maior fluxo nas lojas e mais “itens na sacola”.

Novo varejo

Laurence Gomes, da Renner: “O processo digital contribuirá muito com nossa competitividade”. Foto: divulgação

“A moda é cíclica e hoje nos baseamos em informações do mundo todo, nas redes sociais, nas ruas, e não mais apenas em desfiles. Com a tecnologia é possível fazer projeções com base na coleta de dados dos consumidores. Há uma liberdade maior e haverá, cada vez mais, a fragmentação de coleções”, analisa. “A Renner já faz hoje entre nove e dez coleções por ano. A moda requer velocidade e, para isso, a tecnologia é indispensável.”

O terceiro projeto estrutural é guiado pelo consumidor omnichannel (que transita entre os ambientes físicos e o digital), oferecendo boa experiência de compra independentemente do canal. A navegação online está mais fluida, estimulando as vendas pela plataforma. “O digital é uma ferramenta importante para reforçar a nossa proposta de valor”, justifica.

De olho na nova forma de consumo

A atuação com o consumidor omnichannel tem dado retorno. Um dos serviços de destaque na plataforma é a opção retirada na loja. O cliente pode comprar online e buscar o item no ponto físico mais próximo.

“A opção retirada na loja representa 30% das vendas online. Desse volume, 10% dos clientes fazem uma compra adicional quando buscam a mercadoria”, acrescenta Gomes.

Se o Brasil seguir os mesmos passos dos Estados Unidos, a Renner poderá conquistar grande parte do mercado online. De acordo com pesquisa do banco americano Goldman Sachs, a expectativa de penetração do setor de vestuário e calçados no e-commerce americano chegará a 22,4% em 2021, posicionando-se como o terceiro maior, atrás apenas dos mercados de eletrônicos (50,8%) e brinquedos e jogos (24,2%).

As lojas físicas da Renner também vêm ganhando uma série de iniciativas, a fim de atender o novo consumidor, que anseia por comodidade máxima. A maioria está em fase de teste. Mas não se surpreenda se ao entrar em uma delas, atualmente, se deparar com um totem: esse tipo de aparato tecnológico está na “moda” em algumas lojas da bandeira.

Através dele, o consumidor pode comprar um item que não tem em estoque e recebê-lo em casa. “Apesar de os espaços físicos não sofrerem alteração, a ideia é que, aos poucos, eles se transformem em showroom, com a melhor experiência e devices para reduzir o tempo de compra”, adianta Gomes.

Com as inovações, o nível de serviços da Renner tende a aumentar. Nas grandes capitais, por exemplo, a entrega expressa já é realidade. O cliente recebe sua compra no mesmo dia ou, no máximo, até o dia seguinte. Ações que visam agilidade e melhor experiência de compra travarão, cada vez mais, uma guerra entre companhias deste setor.

“Além da Renner, marcas como RiachueloC&A e Hering têm agendas digitais fortes, que ajudam na tomada de uma série de decisões, além de melhorar o relacionamento com clientes e sua experiência de compra. No entanto, nos próximos cinco anos, a tendência é acentuar o uso de tecnologias e aumentar a competitividade, já que, toda semana, lemos notícias sobre essas empresas. O mercado está bem quente”, observa Terra.

Diversificar é um bom negócio

Dona das marcas de vestuário jovem Youcom, de utensílios para o lar Camicado e moda plus size Ashua, a Renner tem como estratégia investir em mercados distintos e na diversificação dos negócios. A Ashua é um exemplo. O e-commerce, focado em roupas femininas com tamanhos que variam entre 46 e 54, criado em 2016, deu início à operação física, com três lojas em São Paulo e no Rio Grande do Sul. Mais cinco, este ano, estão no radar do grupo.

Apostar neste mercado pode ter sido uma boa ideia, uma vez que ele já movimenta R$ 11 bilhões e vem crescendo a um ritmo acelerado. De acordo com dados do instituto de pesquisa IEMI – Inteligência de Mercado, entre 2016 e 2018, o aumento em receita foi de 18,96%.

Além disso, em 2017, a Renner deu o primeiro passo rumo à internacionalização, ao estrear no Uruguai. Hoje, já são sete lojas da bandeira no país vizinho. “A entrada no Uruguai tem sido satisfatória, acima das expectativas, com boas oportunidades, o que nos ajudou a tomar a decisão de investir também na Argentina no segundo semestre deste ano”, diz Laurence Gomes.

A princípio, serão inauguradas três lojas nas cidades de Buenos Aires e Córdoba. Mas a marca não pretende desbravar a América Latina. Pelo menos não por enquanto. “Não temos expectativa, neste momento, de avançar para outros mercados”, avisa Gomes.

Outra fonte de renda da companhia é seu braço financeiro, a Realize. Em junho de 2017, o Banco Central autorizou transformar a subsidiária em uma instituição financeira. Pelo balcão da loja ou pelo aplicativo é possível pedir cartão de crédito, empréstimos e contratar seguros. As tecnologias integradas ao app garantem aprovação de crédito em até quatro minutos.

Até dezembro passado, 31 milhões de cartões Renner (private label) foram emitidos; enquanto os cartões em parceria com as bandeiras Visa e Mastercard (co-branded), chegaram a 4,8 milhões. “Nosso objetivo é suportar as vendas do varejo, tornando a experiência de compra mais agradável e conveniente. Além disso, a questão de crédito tem papel importante em momentos de crise”, diz Gomes. “Cerca de 20% do nosso Ebitda vêm das operações financeiras”, revela.

Segundo Eduardo Terra, esse tipo de ação se torna cada vez mais parte estratégica do varejo. “A empresa consegue administrar melhor o risco, pois conhece seu cliente. Se bem administrado, é uma linha de negócios que pode trazer resultados importantes. Do lado do consumidor, traz mais facilidade e fidelidade”, analisa.

Nos próximos meses, o grupo estará focado na implementação do ciclo digital em suas operações e levará iniciativas para as outras bandeiras. Assim como se prepararam lá atrás para a crise, se preparam agora para as mudanças inevitáveis no varejo. “Esse processo (digital) contribuirá muito com nossa competitividade daqui para frente, uma vez que agora o consumidor está muito mais conectado e menos fiel”, finaliza Gomes.

(Matéria publicada em maio de 2019).