A seguir, o executivo aborda temas como LGPD, competitividade no setor financeiro e novas soluções e produtos que virão com o Open Banking
CWS Insights: Como o mercado externo tem enxergado o Brasil com o Open Banking?

Ivo Mósca: O mercado externo tem estado bastante atento. Inclusive, uma grande parte de fornecedores da estrutura necessária para que o Open Banking funcione já vem com a experiência de outras geografias. Temos empresas contratadas do Reino Unido nos auxiliando no processo de implementação, e todos enxergam com uma grande perspectiva, principalmente quando a gente traz a comparação com a evolução do que foi o Pix.

Temos um cenário de atenção e de perspectiva positiva, porque, inclusive, quem participou da construção lá fora enxerga que a construção do Open Banking no Brasil já nasce com evoluções em cima de seus modelos atuais e com escopo maior.

CWS Insights: Tratando-se de riscos para os consumidores, vazamento de dados é algo que pode atrapalhar este sistema? De que forma a Lei Geral de Proteção de Dados favorecerá a implementação?

Ivo Mósca: Um ponto importante aqui é que a segurança é um pilar fundamental do Open Banking. E nós temos não só utilizado o que há de ponta em termos de tecnologia para garantir essa segurança, como também temos trabalhado para que todo o processo seja conferido e autorizado pelo cliente nas duas pontas – tanto na instituição que vai receber quanto na instituição que vai doar os dados.

O cliente vai precisar se logar e autenticar nas duas pontas para que esses dados sejam entregues. Felizmente e historicamente, quando a gente olha para o Brasil, não há conhecimento de vazamento de dados de instituições financeiras. Porque nosso sistema financeiro nacional é um dos mais robustos do mundo. E o Open Banking vem apoiado nisso e vem inclusive com evoluções tecnológicas.

É claro que o cliente tem que confiar na instituição que estará recebendo os dados. É muito importante que o cliente sempre procure uma instituição de nome, uma instituição que ele confie e que consiga tratar os dados com toda a segurança.

Mas pra que isto ocorra de acordo com as nossas especificações, o vazamento não deveria ocorrer de forma alguma por conta das diversas camadas de segurança que nós estamos implementando. Se isso acontecer é por falha da própria instituição que pode ter ali um erro sistêmico que não tem a ver com o Open Banking, mas, sim, a ver com seus próprios controles internos.

CWS Insights: Como fazer com que o consumidor tenha mais confiança no Open Banking?

Ivo Mósca: O desafio principal é o brasileiro entender o que é o Open Banking. E ele, diferentemente do Pix, não é um produto final, ele é um meio. E é um meio pelo qual os clientes vão poder compartilhar seus dados entre as suas instituições.

Em termos de segurança, percebemos que o brasileiro é menos desconfiado do que a grande maioria das populações ou das outras geografias mundiais. Ele se importa muito menos em compartilhar seus dados ou ter uma privacidade menor em relação aos dados do que em outras geografias.

É claro que existem nichos de clientes que são um pouco mais desconfiados, mas, mais uma vez, esses clientes vão encontrar solução e segurança, principalmente, em instituições tradicionais com as quais eles já trabalham, porque se ele já confia suas finanças nessas instituições, não há problema em ele transitar seus dados entre elas, porque elas estarão seguras em ambas as pontas.

CWS Insights: Dados de um estudo exclusivo do Instituto Locomotiva, referentes a janeiro de 2021, mostram que 10% dos brasileiros não tinham conta em banco (16,3 milhões) em janeiro de 2021, enquanto outros 11% (17,7 milhões) não movimentaram a conta no mês anterior. O Open Banking, de alguma forma, pretende diminuir estes índices, ou seja, aumentar a “bancarização” do brasileiro?

Ivo Mósca: O Pix diminui uma barreira transacional muito grande e trouxe um incentivo enorme para a bancarização da população. Ele fez com que você tivesse um incentivo pra se digitalizar, ou seja, utilizar os apps dessas instituições para que pudesse fazer essas transações. O Open Banking facilita o trânsito de dados entre as instituições. Ele traz uma facilidade para que você obtenha benefícios.

A velocidade com que as pessoas vão tendo interesse em se digitalizar, se bancarizar, pra poder usufruir desses benefícios do Open Banking, vai depender – e muito – de quais serão os benefícios que o mercado irá apresentar para seus clientes. E quanto maiores forem esses benefícios, maior deve ser o incentivo à bancarização.

E é claro que isso potencializado com o Pix, quando a gente fala de Open Banking, através da iniciação de pagamentos que ainda abrem um extenso canal para que você comande transações financeiras de outras instituições.

CWS Insights: Estas soluções podem também melhorar a situação de inadimplentes ou negativados, que têm hoje poucas opções de crédito no País?

Ivo Mósca: Ainda há uma grande duvida em cima do tema. Na verdade, quando a gente fala de negativado, já tratamos de um cliente que tem alguma dívida ou teve alguma incapacidade de pagamento e, portanto, o mercado olha hoje com muito cuidado porque não sabe se com futuras dividas seria capaz de cumprir com os pagamentos programados.

Por um lado, o Open Banking pode ajudar, porque uma pessoa pode estar negativada e nem ter a informação de que ela está negativada, mas ela tem recursos suficientes não só para quitar essa divida, mas também pra se manter adimplente em relação a novas dividas.

Para esse caso, você vai conseguir ter uma informação mais global, mais ampla sobre esse cliente, e poder, mesmo que haja algum tipo de negativação, ofertar crédito para ele.

Por outro lado, isso também vai facilitar com que você rapidamente detecte que um cliente está se tornando incapaz de cumprir com suas obrigações financeiras e que, portanto, há uma grande probabilidade de ele não conseguir cumprir com seus compromissos, então isso também vai dar oportunidade das instituições, inclusive, controlarem um pouco o crédito do cliente, evitando que ele se sobrecarregue.

Tem diversos benefícios a serem capturados em termos de crédito e, inclusive, um grande benefício que o Open Banking vai trazer é que uma vez que você consegue enxergar a vida financeira completa do seu cliente, você também pode ser um consultor financeiro e evitar que esse cliente seja negativado antes mesmo que isso ocorra. Esse é um grande ponto. Um ponto de preocupação pra fazer o contraponto é que os limites de cheques especiais e de cartão de crédito também são compartilhados.

Isso significa que uma instituição poderia simplesmente utilizar o mesmo limite e dar também para o seu cliente na nova instituição. Acontece que se você fizer isso, ou todas as instituições fizerem a mesma coisa, pode chegar a um determinado momento onde esse cliente tem mais crédito do que ele é capaz de pagar e, portanto, ele pode entrar em uma situação de superendividamento. Este é o ponto de atenção e que teremos que observar como os clientes se comportarão e como as instituições também se comportarão em cima do tema.

CWS Insights: Qual será o impacto do Open Banking no futuro tratando-se de competitividade no setor? Novos competidores poderão dominar o mercado financeiro?

Ivo Mósca: A gente já viu uma grande evolução do mercado financeiro com as evoluções regulatórias, com a criação da figura das instituições de pagamento, enfim, o Open Banking diminui algumas barreiras e reduz custos, por exemplo, na aquisição de clientes, uma vez que você pode compartilhar os dados financeiros e os dados cadastrais do cliente pra poder abrir uma conta.

Ao obter os dados históricos e, como eu disse, reduzir o custo de conhecer o seu cliente, pode-se rapidamente trazer os mesmos produtos e ofertas tão competitivas quanto esse cliente já tinha, aumentando a penetração de produtos.

A grande questão não é entre novos competidores ou competidores incumbentes, a grande questão é de agora em diante quem será capaz de continuar avançando tecnologicamente e inovando constantemente. Quem não inova não cresce, então o desafio das instituições vai ser se manter sempre como uma instituição inovadora e com soluções que atendam as reais necessidades de seus cliente com a melhor experiência.

O desafio das instituições está em cima desse todo e eu acredito, inclusive, que os atuais incumbentes têm uma enorme experiência em trabalhar com grande volume de clientes, com grande volume de dados e um portfólio completo de produtos.

Não basta ter os dados, não basta ter a informação, você precisa ter toda a estrutura de oferta, toda a estrutura de atendimento com qualidade, com rápida resolução de problemas dos clientes. Os bancos incumbentes encontram uma série de vantagens e continuam evoluindo em seus serviços digitais.

CWS Insights: Qual é o potencial do Open Banking tratando-se de novas soluções e produtos?

Ivo Mósca: Eu costumo dizer que o Open Banking é uma porta onde você ainda encontra um quarto escuro e não sabe o que há dentro. Porque quando a gente olha para os países que já implementaram, nós não vemos grandes vencedores do jogo do Open Banking. Nós vemos diversas soluções sendo testadas e evoluídas, mas ainda sem grandes vencedores.

Dentro dessa porta de possibilidades que se abre, a gente enxerga algumas oportunidades que as instituições têm buscado: a primeira é em termos de agregador financeiro através de gerenciadores financeiros para pessoa física ou pra pessoa jurídica, onde você consegue controlar toda sua vida financeira em um único canal. O Open Banking vai permitir com que você traga todos os dados para um único lugar e acompanhe toda sua vida financeira.

A segunda é utilizar esses dados para melhorar a oferta de crédito. Como você aproveita toda essa informação e consegue oferecer crédito assertivo na modalidade correta e no momento correto para o cliente. Essas são as duas grandes oportunidades principais que o Open Banking traz como possibilidade.

CWS Insights: Em relação aos custos de serviços financeiros, o que mudará? Tem algum estudo ou expectativa sobre esse tema?

Ivo Mósca: Não há dados financeiros ainda sobre redução de custo, mas há uma grande aposta de que deve ter uma redução de custo, tanto na aquisição, quanto na manutenção de clientes. Porque quando você amplia as possibilidades de soluções digitais, você está tratando cada vez mais o cliente de forma remota, de forma digital, rápida e de baixo custo. Inclusive, para a aquisição de novos clientes.

Antes você precisava tratar imagem, levantar documento, fazer biometria; agora, com alguns cliques, você consegue transferir seus dados cadastrais pra outra instituição, portanto, você reutiliza essas informações. Já tem uma redução muito grande de custo de aquisição de clientes.

Na manutenção, cada vez mais os bancos têm procurado trazer uma solução completa de forma digital. Hoje, no Itaú, nós já temos mais de 85% do nosso portfólio totalmente digital. Ou seja, o cliente já consegue se servir de forma digital. E isso, sim, traz uma oportunidade de redução de custos e de alavancagem de negócios.

CWS Insights: Entre os competidores do setor, quem tem mais potencial de ganhar este jogo?

Ivo Mósca: O Open Banking abre um caminho de dados muito barato e fácil de ser utilizado por parte dos clientes. Mas não adianta você receber esses dados e não conseguir traduzir em benefícios ou em serviços.  O jogo está em como obter, tratar e utilizar esses dados de forma assertiva, de acordo com a necessidade do cliente, com uma experiência simples e fácil.

E hoje, quando você traz empresas e fintechs que são monoprodutos, cada vez mais o cliente vai querer ocupar menos tempo trabalhando suas finanças. Então a instituição que se sobressair é aquela que conseguir ofertar todos os produtos disponíveis e necessários para a vida daquele cliente em um único lugar. E isso, mais uma vez, traz uma grande vantagem e oportunidade para as grandes instituições que hoje já trabalham como full bank.  

CWS Insights: Com o Open Banking, como imagina o setor financeiro brasileiro daqui a dez anos?

Ivo Mósca: O Open Banking é só o pontapé inicial. Ele já tem sido comunicado como um open finance, porque a gente já está indo além dos dados financeiros e está começando a agregar outras informações como, por exemplo, seguros, investimentos, câmbio, além dos dados da conta corrente e de crédito.

E isto abre caminhos para que outros tipos de soluções passem a ser tratadas dessa forma. Tudo isso deve caminhar para um open data. Daqui a dez anos não estaremos mais falando de open finance, de open banking, de open investment, estaremos falando de open data, onde você vai conseguir transportar basicamente todos os seus dados pra onde você quiser, de acordo com a sua necessidade.

O grande desafio será ser especialistas em serviços específicos, mas ao mesmo tempo ser um grande generalista e conseguir traduzir essas especialidades em um único canal. Esse é o futuro e o objetivo dos competidores do mercado: se tornar plataforma única de gestão de seus clientes.