Empresas B2B que adotam práticas digitais obtêm incrementos de receita até 5x maior que seus concorrentes. Para isso, as iniciativas vão muito além do e-commerce ou de um catálogo digitalizado

A transformação digital está alterando significativamente o modo que as empresas fazem seus negócios. Seja qual for o segmento, as expectativas do consumidor estão mudando, modelos de negócios estão morrendo e o avanço das tecnologias demanda uma agilidade de resposta sem precedentes no nível de gestão das empresas. Recentemente, com o advento da pandemia e as medidas de restrição, o tema parece ter ganhado ainda mais relevância, dado o caráter das soluções para o então contexto.

Quando observados de perto, há, porém, uma diferença de estágios de maturidade digital entre os segmentos de atuação das empresas. Enquanto o B2C veio investindo de forma consistente em ferramentas tecnológicas de atendimento, inovando em meios de pagamentos e se conectando à hubs logísticos, o B2B pouco avançou neste processo, naquilo que se chama de “Transformação Digital”.

Um longo estudo elaborado pela consultoria McKinsey, intitulado “How B2B digital leaders drive five times more revenue growth than their peers” (em português, como os líderes digitais B2B impulsionam cinco vezes mais crescimento de receitas do que os seus pares) revelou que muitas empresas deste segmento até mesmo ultrapassaram as companhias de consumo (B2C) em alguns aspectos da digitalização, tais como: fluxos de trabalho no back-office, planejamento de recursos e modernização de suas estruturas de TI.

Porém, o que se identifica é que esses esforços tendem a estar mais focados na redução de custos e eficiência de processos e menos em inovação em torno dos esforços de vendas e experiência do cliente – onde justamente está o verdadeiro crescimento. Outro aspecto identificado no estudo é que na ânsia de construir projetos desta natureza, líderes podem adotar práticas pouco eficientes ou implementar tecnologias e sistemas de modo desordenado, consumindo recursos financeiros e energia das equipes, mas que não trarão frutos a longo prazo.

Estas duas características são, de fato, muito frequentes nas empresas que buscam se transformar digitalmente. No entanto, se fosse necessário definir um ponto de partida para uma transformação digital de sucesso, este ponto precisa ser, necessariamente, o consumidor.

As empresas precisam ter em mente que é necessário oferecer um alto nível de relacionamento entre o consumidor e a marca. Para isso não é necessário apenas a informatização de sua equipe de vendas, mas também ter como foco a digitalização de toda a jornada de compra do cliente e os pontos de contato que o mesmo percorre dentro da empresa. Esta nova abordagem de processos (sob o viés da necessidade do consumidor) tem nome: Customer Centricity.

A digitalização e seu impacto nos indicadores financeiros

Segundo pesquisa da McKinsey, que analisou 200 empresas B2B e B2C, práticas digitais trazem maior desempenho de EBITDA, vendas e retorno aos acionistas em relação às que não se digitalizaram. Quando se observa apenas o grupo de empresas B2B, os resultados mostram até 5x mais faturamento e quase 2x mais retorno aos acionistas.

Quando observado o EBIT (lucro operacional), o resultado é ainda mais impactante: as empresas que não se digitalizaram apresentam crescimento negativo na evolução de seu lucro, enquanto as digitais avançam em 13,5% ao ano.

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Figura 01: indicadores financeiros (empresas B2B)

Tem-se aí uma clara evidência de que hoje apenas as empresas digitais conseguem criar valor, enquanto aquelas que não se digitalizaram estão perdendo o ritmo quando o assunto é geração de valor aos seus acionistas.

As 6 práticas de sucesso para um real movimento de Transformação Digital

1. Comprometimento do C-Level com o digital
Empresas líderes em transformação digital ambicionam criar um novo mercado, ainda inexistente nos padrões offline e aos olhos da concorrência. Feita a decisão, não medem esforços para colocar todos seus recursos (processos, competências internas e tecnologia) alinhados a esta nova diretriz estratégica.

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Figura 02: A experiência do consumidor como partida para o novo desenho dos processos internos

É durante este processo de mudança (redesenho de estrutura, realocação de times e redefinição de funções) que normalmente surgem as resistências internas. Por isso que processos de transformação digital sendo liderados a partir de níveis gerenciais não costumam ser vencedores.

É necessário o envolvimento de todo o C-Level (a alta gestão) para que a organização possa caminhar para a estrutura desejada e seus processos possam refletir o que foi definido como nova proposta de valor, o customer centricity.

2. Fazer do online uma experiência de compra e venda expandida do offline
Ainda segundo a mesma pesquisa da McKinsey, compradores do B2B que interagem em múltiplos canais de compra (televendas, canais online, interação com vendedores, etc.) compram duas vezes mais do que aqueles que interagem por apenas um canal. Por isso, as empresas líderes no digital não enxergam a tecnologia apenas como um novo canal de relacionamento ou de vendas entre o consumidor e a área comercial. Antes, estudam a jornada de compra do consumidor e todo o processo que está por trás da decisão de compra.

Assim, o cliente B2B, quando acessa seu ambiente de compras, está exposto a vários elementos que facilitam e estimulam a jornada de compra.  O vendedor, por sua vez, também tem sua experiência de venda expandida. Quando vai interagir com os clientes de sua carteira, automaticamente está munido de informações capazes de conhecer melhor as necessidades do cliente, oferecendo assim melhores soluções e incrementando o nível de serviço.

Uma vez conhecida a jornada de decisão de compra, seus principais drivers e a força de vendas estando dotada de ferramentas capazes de monitorar esta jornada, a empresa já pode se considerar apta a adotar a estratégia conhecida como Omnichanel, convergindo todos os canais de interação com o cliente (redes sociais, lojas físicas, virtuais, aplicativos e ferramentas digitais), de acordo com as necessidades dele.

3. Uso de dados como driver principal para equipes comerciais
Apesar de o Customer Centricity ser a nova e principal orientação dentro das empresas que buscam promover a transformação digital, muitas empresas ainda não estão maduras o suficiente para entender, de fato, o que isso significa. Apenas 15% das empresas do B2B sentem que possuem uma visão completa de seus clientes e apenas 19% dizem entender a jornada de seus principais clientes.

Em contraste a este cenário, as empresas B2B líderes no digital usam cada vez mais ferramentas de analytics e BI (business intelligence) para aprimorar o conhecimento de seus clientes e, com isso, desenvolver outras ferramentas para a equipe de marketing e vendas incorporar em seu processo comercial: desde a captura de leads “frios” na internet, passando pela ativação via conteúdo, conhecimento da necessidade do cliente, apresentação da solução e conversão em vendas.

Por trás do uso de dados e ferramentas avançadas de analytics está o propósito de fortalecer o nível de conhecimento da empresa sobre cada cliente individualmente e, com isso, estreitar o relacionamento da equipe de vendas com sua carteira – atributos que no mercado de vendas B2B são mais importantes para a sobrevivência das empresas do que no segmento B2C.

4. Integração de processos para evitar fricções no processo de comercialização
Ao constituir um funil de vendas eficiente, as empresas alcançam taxas de conversão da ordem de 40% a 50% em novos contratos e 80% a 90% em recorrência de vendas. Este processo envolve coordenação de diversas áreas, desde o back-office até o front-end. No entanto, apesar das empresas do B2B já estarem bem avançadas na digitalização de processos internos (finanças, contabilidade, ERP, etc.), a integração com o front-end ainda é precária e com isso perde-se um grande potencial de geração de valor.

Líderes na transformação digital fazem isso de forma diferente: usam os processos de automação para integrar o back e o front, a fim de ter uma visão 360 graus dos clientes acerca dos negócios. Com todo o processo interconectado, equipes de vendas conseguem acessar todos os níveis de informação do cliente antes de entrar em contato com o mesmo, conferindo maior transparência ao pipeline de vendas, possibilitando um melhor planejamento de recursos e impactando nos indicadores de custo de atendimento aos clientes.

5. Criação de uma cultura ancorada em inovação e execução
Um terço das empresas leva mais de um ano para sair da concepção à implementação da transformação digital. Além disso, pouco menos de 15% trabalham com algum tipo de processo “test-and-learn” e criação rápida de protótipos de processos. Estes modelos de prototipagem têm sido capazes de acelerar o processo de inovação e incrementar o nível de satisfação dos clientes.

As empresas líderes, no entanto, possuem outro viés na adoção da transformação digital, adotando metodologias do tipo “agile”, com rápida experimentação de processos. São capazes de trabalhar em squads, montando times multifuncionais e multidisciplinares, seja com profissionais internos, seja na interação com empresas de fora.

Durante o processo, as squads são capazes de estruturar novos modelos de negócios via MVP (Minimally Viable Products) visando estratégias go-to-market. Desta forma, a empresa não só capitaliza entre seus funcionários o conhecimento já existente, mas também é capaz de absorver rapidamente conhecimentos externos, de outras empresas, encurtando a curva de aprendizado relativo ao novo foco de atuação, o digital. Por trás desta alteração na metodologia de trabalho e de processos, está uma mudança significativa na cultura da empresa, que passa a enxergar no processo de “testagem-falha-correção-aprendizado” um caminho para o desenvolvimento de novos modelos de negócios.

Figura 03: jornada para novos modelos de negócios

Empresas que adotam esta metodologia adaptam seu perfil de risco de forma diversa à de empresas tradicionais, fazendo seus investimentos (CAPEX) e analisando seus indicadores de retorno não de maneira linear, mas de acordo com o movimento da operação ou da fase em que se encontra o projeto. Desta forma, agir de forma rápida para as mudanças (correções de rumo) e nos incrementos de aportes se torna essencial para uma estratégia vencedora no longo prazo.

6. Abertura da gestão em assimilar métricas e KPI’s do mundo digital
Quando se analisa o perfil das empresas que optam pela transformação digital, percebe-se que os desafios organizacionais são os fatores que vão, na verdade, determinar qual o grau de alcance e efetividade das propostas. Os conflitos internos das áreas, alinhamento de interesses entre executivos e desencontro entre os processos internos são comuns em empresas que se propõem a fazer a transformação digital.

Um dos temas mais polêmicos no processo de transformação é a adoção de novos indicadores para medir o desempenho do negócio. Dado os aspectos específicos do ambiente digital, o prisma de análise do mundo offline precisa ser reorientado à realidade do comportamento dos agentes em um ambiente virtual e que respondem a outros tipos de estímulos.

Qual a diferença entre Cliente e Usuário? Analisar a Receita ou o GMV? Possuir um banco de dados ou um Data Science? Mensurar o potencial da atividade comercial por número de contatos ou número de views das páginas? E o retorno do investimento: DCF ou Múltiplos?

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Figura 04: evolução para o DNA digital

A diferença quanto à análise destes indicadores não é apenas uma questão semântica ou modismo textual. Trata-se de diferentes conceitos, que se relacionam entre si de maneira específica dentro dos modelos de negócio estabelecidos nos ambientes virtuais. Também não se trata da criação de novos e numerosos indicadores que pouco tem a dizer a seus gestores, mas sim introduzir novas formas de como medir o progresso da estratégia e ter uma bússola eficiente que possa mostrar quais caminhos seguir neste novo oceano que pertence ao mundo das redes.

Por este motivo, as empresas líderes nos movimentos de transformação digital sabem que precisam incorporar essas lentes de análise em seu dia a dia, adotando estes conceitos e termos dentro da própria gestão. Este processo de mudança não é simples e leva tempo para ser incorporado pelas empresas. Como em um processo evolutivo em que as condições do ambiente e a interação entre os fatores vão determinando as condições genéticas dos seres, conforme o novo modelo de negócio ganha tração, ao longo do tempo a empresa consegue entender como estes novos conceitos se relacionam e aprende a competir neste novo ambiente digital. Desta maneira, não é exagerado dizer que ao longo deste processo, o que se tem na verdade é a introdução de um novo DNA nas empresas: um DNA digital.

Conclusão

O advento das redes e os negócios de plataforma criaram uma nova dinâmica competitiva, com características próprias quando se analisa o comportamento dos agentes. Os modelos que normalmente são utilizados para a leitura do relacionamento destes players e as variáveis-chave no mundo offline (clientes, fornecedores, concorrentes, margens operacionais, taxas de retorno de investimento, etc.) não podem simplesmente ser transferidos de maneira simples e rígida para o digital sob o risco de incorrer em leituras equivocadas e decisões que levam ao fracasso.

As empresas de consumo, do B2C, foram pioneiras no entendimento deste processo e criaram as bases de uma nova economia, descobrindo novos mercados e adaptando novos modelos de negócio para uma sociedade em rede. Com taxas de crescimento exponenciais e retornos acima da média para seus investidores, estes modelos chegam agora ao B2B, sem, contudo, deixar de lado os desafios específicos que fazem parte deste mercado, de compradores recorrentes e qualificados.

Muitas empresas do segmento B2B já mostraram que foram capazes de entender como é a dinâmica competitiva dentro do ambiente de redes. Souberam compreender como as forças se relacionam e trouxeram este aprendizado para dentro de suas empresas, redesenhando seus processos internos para que pudessem atender os novos desafios que se abrem neste mundo. O resultado disso, conforme demonstrado na pesquisa, é surpreendente quando comparado às empresas que ainda permanecem nos velhos padrões de modelos de negócio.

A popularização da tecnologia e a disponibilidade de profissionais com experiência em empresas digitais consolidadas fez da transformação digital um tema hoje acessível para muitas empresas. No entanto, o que as pesquisas nos mostram é que muitas delas ainda não sabem avaliar os riscos e desafios envolvidos para uma transformação verdadeira, fazendo sua adoção de maneira desordenada e investindo sem critérios em ferramentas, consultorias e aquisição de profissionais.

Ao término deste processo, o que se vê são vultosos recursos investidos sem retorno e muito desgaste interno das equipes, clientes e fornecedores. Em alguns casos, o próprio modelo de negócio tradicional das empresas fica comprometido. Já se percebe que apenas as empresas que de alguma forma atuam no ambiente digital poderão trazer algum retorno a seus investidores. As demais, que não adotarem nenhuma prática neste sentido, correm o risco de verem diminuídos seus retornos sobre o capital ou até morrerem.

Porém, se por um lado a transformação digital hoje é uma realidade acessível para muitas empresas, por outro, os riscos inerentes ao processo de transformação precisam ser bem quantificados, a partir de profissionais, internos e externos, que conheçam muito bem o tema e possam conduzir a empresa em uma travessia segura rumo à digitalização.